O sonho ibérico de Adolfo Suárez

Adolfo Suárez priorizou a ideia que realmente o seduzia: uma união política entre Espanha e Portugal

Por Manuel Pereira Ramos, jornalista 

É provável que haja portugueses que não tenham presente o que significou Adolfo Suárez na política espanhola, uma figura cuja ação foi absolutamente fundamental para a chegada, não sem dificuldades, da democracia ao país vizinho. Quando o Caudillo desapareceu, o sucessor por ele designado, o Rei Juan Carlos I, teve de início que aceitar o Governo que então presidia Arias Navarro, fiel servidor do anterior regime e de que o Monarca cedo se apercebeu que não era a pessoa que necessitava para a transição política que estava disposto a levar a cabo para conseguir fazer da Espanha um país aberto, democrático, moderno e europeu. Desse Governo fazia parte um jovem que já tinha dado alguns passos na política mas que não deixava de ser, para o grande público, um perfeito desconhecido.
 
De forma surpreendente, foi nele que o Rei apostou, Adolfo Suarez era, pelo seu passado, um filho do franquismo, uma condição que, junto à sua juventude, jogou a seu favor para ser o escolhido pelo Chefe de Estado para suceder a Arias, confiou na sua lealdade e deu-lhe a responsabilidade de tomar conta do Governo, desmontar e deitar abaixo, desde dentro, uma estrutura política que ele bem conhecia e que, depois de ter prevalecido durante quarenta anos, tinha forçosamente de ser substituída para que os novos objetivos pudessem ser alcançados.

Não faltaram, na altura, criticas à escolha feita por Juan Carlos, célebre ficou a frase do historiador Ricardo de la Cierva: «Que erro, que grande erro», mas ele não foi o único que depois teve de reconhecer o enorme trabalho feito por Suárez que, pese às ameaças dos militares e das múltiplas resistências à mudança, logrou, com enorme sacrifico e dificuldades, abrir o caminho para a democracia. Mas, tudo tem o seu fim e, em janeiro de 1981, vítima da falta de apoio da Casa Real e das desavenças e traições das diversas famílias políticas que faziam parte do seu partido, viu-se obrigado a demitir e a deixar de chefiar o Governo.

Saída da época franquista, a Espanha vivia, no que respeita às relações internacionais, num autêntico limbo, não tinha um lugar certo onde situar-se, era um país europeu isolado da grande Europa, uma situação de indefinição e de terra de ninguém que, de alguma forma, também nós experimentávamos, a Espanha, no entanto, tinha na altura a dificuldade acrescida de ter de criar a estrutura em que devia apoiar-se o novo Estado das autonomias.

Sem saber muito bem que direção tomar para colocar a Espanha no mundo, Adolfo Suárez chegou a pensar na possibilidade da entrada no então chamado grupo dos não alinhados, possibilidade que pôs de lado para priorizar a ideia que realmente o seduzia: uma união política entre Espanha e Portugal. Ele entendia que, se os países nórdicos europeus tinham sido capazes de estabelecer um elevado grau de cooperação entre eles, os do sul deveriam fazer o mesmo e até, porque não, tentar dar um passo mais e construir uma nação ibérica. Suárez não estava sozinho nesta cruzada, os seus propósitos eram recebidos com certo entusiasmo quando os expunha nos seus círculos de confiança formados por uma nova geração de espanhóis dispostos a dar-lhe o seu apoio.

Não faltou, porém, quem lhe tivesse chamado a atenção para a dificuldade de convencer os portugueses que, orgulhosos do seu passado, dificilmente aceitariam compartilhar, com os vizinhos, a sua histórica independência. «Isso tem solução, unimo-nos, pomos a capital em Lisboa e problema resolvido», era o seu argumento. Consta que nos encontros de Adolfo Suárez com Mário Soares, então primeiro-ministro, ambos abordaram várias vezes este tema de forma informar sem nunca o terem oficializado, não havia nome para o novo país nem se sabia se seria república ou monarquia, a única coisa certa era onde estaria a capital.

Com o grande amor que tinha por Portugal, Suárez estava absolutamente convencido das grandes vantagens de levar a cabo a união mas o momento que então se vivia nos dois países não era o ideal, havia questões mais prementes que o obrigaram a pouco a pouco, ir abandonando a ideia até a dar por impossível, o que podia ter sido uma iniciativa histórica acabou por ficar em nada a menos que, sabe-se lá, alguém algum dia se lembre da ressuscitar.

Fui testemunha da sua amizade para com o nosso país, acedeu a dar-me uma entrevista para a RTP, quando terminámos dei instruções ao operador para ir ao aeroporto e tentar encontrar a alguém da TAP que não se importasse de levar a gravação para Lisboa, a surpresa foi que, ao abrir a câmara, estava vazia não havia lá nada, ante a alternativa de dar um murro ao culpado ou correr atrás de Suárez, optei pela segunda solução, contei-lhe o sucedido e tranquilizou-me: «Não se preocupe, eu fui diretor da TVE e sei como estas coisas podem suceder, comecemos de novo», uma sorte porque, no fim, graças ao erro daquele mau profissional e à generosidade do entrevistado, a segunda entrevista saiu muito melhor que a primeira.