Surpreende-me o entusiasmo que vai por aí à volta de Lula da Silva. Não falo já do processo de corrupção que decorreu contra ele no Brasil e que acabou na sua condenação.
Recordo apenas a cumplicidade com José Sócrates.
As negociatas à volta da Portugal Telecom, que vendeu no Brasil uma empresa moderna e lucrativa, a Vivo, para comprar uma empresa obsoleta e sem futuro, a Oi.
Esse negócio, classificado por Henrique Granadeiro em 2010 como «a maior operação financeira da história de Portugal» revelar-se-ia «o maior desastre financeiro da história de Portugal».
Uma autêntica calamidade.
Não sei se algum dinheiro dessa operação foi parar ao bolso de Lula.
O que todos vimos foi o apoio dado a Sócrates por Lula da Silva, que chegou a vir a Lisboa participar no lançamento de um livro do ex-primeiro-ministro português, num momento em que já pesavam sobre este graves suspeitas.
Já se esqueceram disto?
É certo que Bolsonaro não é uma figura inspiradora, bem pelo contrário.
Mas a recordação das relações entre Lula e Sócrates devia, pelo menos, refrear o entusiasmo de muitos portugueses, da esquerda à direita.
Lobo Xavier, por exemplo, dizia na noite eleitoral que, se vivesse no Brasil, votaria Lula, porque Bolsonaro não dá garantias de «defender a democracia».
Ora, percebo que há quatro anos se pudesse dizer isto.
Mas depois de quatro anos de presidência, em que Lula da Silva até pôde sair da cadeia por razões formais e concorrer à Presidência da República, como pode dizer-se que Bolsonaro, se fosse reeleito, representaria um risco para a democracia?
Custa-me a perceber.
Quanto às sondagens, falharam fragorosamente, uma vez mais.
Analistas explicaram o fenómeno com o ‘voto envergonhado’: os eleitores de direita não assumirão nas sondagens a sua escolha, distorcendo os resultados.
A teoria não é nova, mas também não é verdadeira: nas últimas eleições em Portugal, nenhuma sondagem dava ao PS a maioria absoluta. Nenhuma. Ora, obteve-a. E o PS não é propriamente um partido da direita…
É preciso encontrar outra explicação.
Mas atenção: não falharam apenas as sondagens – falharam também rotundamente os comentadores.
Estes têm obrigação de saber ler a realidade para lá das sondagens – caso contrário, não serviriam para nada.
Se se limitarem a ver os resultados das sondagens e debitar sobre eles, são inúteis.
Ora, durante meses, acreditaram na enorme vantagem de Lula sobre Bolsonaro e discorreram alegremente sobre ela, sem se colocarem dúvidas.
Os próprios jornalistas não foram capazes de perceber o que se passava e embarcaram na onda.
Acontece que havia razões para ter dúvidas.
As gigantescas manifestações pró-Bolsonaro quereriam dizer alguma coisa.
E depois havia os factos.
Qual era, nas últimas eleições, o grande problema do Brasil?
A insegurança e a violência urbana.
E qual era o segundo maior problema do Brasil?
A corrupção.
Ora, nesta campanha, não se falou de violência e quase não se falou de corrupção.
Aparentemente, deixaram de ser grandes problemas.
E isso deveu-se a quem?
É certo que Bolsonaro tem contra ele a péssima gestão da pandemia; mas, por outro lado, tem a favor dele a economia.
E Lula? Lula tem a seu favor o passado, sobretudo ter tirado da pobreza milhões de brasileiros.
Assisti há um par de anos em Lisboa a uma conferência sua, onde falou deste assunto.
E do seu discurso retive a seguinte passagem: «Muitos pobres no Brasil queriam comprar bicicletas mas não tinham dinheiro e os bancos não lho emprestavam. Obriguei os bancos a fazerem empréstimos para a compra de bicicletas».
Ora, não acredito nestas políticas voluntaristas.
Às vezes têm bons resultados imediatos, mas a prazo não funcionam.
A verdade é que, depois da saída de Lula, o Brasil mergulhou numa grave crise económica.
Ou seja, pode ter tirado da pobreza muitos pobres mas não pôs o país numa rota de crescimento.
E isso é o que verdadeiramente importa.
Ninguém sabe o que acontecerá na 2.ª volta.
O facto é que Lula ganhou e parte à frente, com 5% de vantagem.
Mas tem duas coisas contra ele.
Por um lado, esta vitória teve um sabor a derrota, como notou Santana Lopes.
Tendo os seus apoiantes acumulado uma grande expectativa de que ganharia à 1.ª volta, não o ter conseguido foi um balde de água fria.