Um árbitro às avessas…

Santos Silva tem-se desdobrado a admoestar Ventura, enquanto o ‘cerco’ ao Chega deixa de fora sucessivos nomes apresentados pelo partido para a mesa da Assembleia.

Sem grandes disfarces, Augusto Santos Silva dá todos os sinais de querer antecipar-se ao PS e voluntariar-se como candidato à Presidência da República, aproveitando a ‘alavanca’ de ser a segunda figura do Estado, um pouco ao estilo de Jorge Sampaio, que avançou para Belém, quando presidia ao município de Lisboa.

Entrevistado, não negou essa ambição, recorrendo à linguagem críptica do «não rejeito nada em absoluto», enquanto esquece, amiúde, a isenção parlamentar, ao apostar no confronto aberto com André Ventura e o Chega, para dar nas vistas, como se fosse o guardião-mor da virtude na Casa da Democracia. É um árbitro às avessas.

Confiado na maioria parlamentar socialista, Santos Silva tem-se desdobrado a admoestar Ventura, enquanto o ‘cerco’ ao Chega deixa de fora sucessivos nomes apresentados pelo partido para a mesa da Assembleia, rasgando a tradição existente em relação à terceira força política com assento no hemiciclo.

Nesse conflito assumido com o partido mais à direita, Santos Silva costuma usar a retórica da suposta defesa de princípios e valores democráticos, imaginando que a atitude poderá ser uma ‘muleta’ útil para lhe render votos.

Aparentemente, já esqueceu que o PS se aliou, sem o menor pudor, com a extrema esquerda estalinista do PCP e a trotskista do BE, para viabilizar o Governo da ‘geringonça’.

É, aliás, caricato ouvir responsáveis socialistas criticarem uma alegada aproximação do PSD ao Chega, depois de partilharem o poder com o radicalismo de esquerda, numa coligação responsável pela estagnação e empobrecimento do país.

Haverá quem pense que é cedo para Santos Silva se mostrar empenhado numa candidatura a Belém. Mas não será esse o seu entendimento, a julgar pelos passos que já deu.

Depois de Mário Soares e de Jorge Sampaio, há muito que o PS ambiciona colocar outro Presidente em Belém. Ora, Santos Silva, um veterano, deve achar-se ao espelho com perfil e currículo bastantes para tanto.

De facto, em vários governos socialistas, incluindo o de Sócrates, Santos Silva foi ‘pau para toda a obra’. E, desde 2001, já ocupou pastas tão diferentes como as da Educação, Cultura, Assuntos Parlamentares, Defesa ou Negócios Estrangeiros.

Nesta última, quis convencer, a certa altura, que o seu maior desejo era terminar a carreira ativa, na universidade do Porto, onde lecionou .

Foi ‘sol de pouca dura’, para quem continua a distinguir-se a ‘malhar na direita’, suplantando o zelo do seu antecessor, Ferro Rodrigues.

Em contrapartida, na chefia da diplomacia portuguesa, Santos Silva foi bem mais magnânimo, ao perdoar, por exemplo, o despedimento de um diplomata, após processo disciplinar, apanhado em flagrante delito, em 2018, em ato sexual, praticado nas próprias instalações da representação diplomática em Ramallah, na Palestina.

Recorde-se, aliás, que, no mesmo ano, soube-se do casamento gay do então embaixador português na Tailândia, celebrado com fausto nas instalações da residência oficial em Banguecoque, e divulgado profusamente pelo site da embaixada. Que se saiba, a utilização abusiva desse espaço e do site da embaixada ficaram incólumes.

Foram escândalos que passaram à história, como se fossem irrelevâncias. E não foram.

Controverso, Santos Silva protegeu até ao limite José Sócrates, de quem foi ministro por duas vezes, e, rendido admirador, ao ponto, pasme-se, de ter defendido a sua condecoração como ex-primeiro ministro, zurzindo no então Presidente da República, Cavaco Silva, por não o fazer.

Lesto, recorreu ao Facebook para uma mensagem sarcástica que ficou de memória: «Senhor Presidente, (…) não se deixe pressionar. Não condecore Sócrates. É que ele não merece tamanha nódoa no seu currículo. Haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo».

Até hoje, Marcelo Rebelo de Sousa dispensou tal ‘honra’. E Santos Silva talvez reze para que o assunto fique esquecido.

Entretanto, nas primeiras sondagens exploratórias, com nomes possíveis para suceder a Marcelo, Santos Silva aparece mal colocado, apesar dos seus esforços para ganhar visibilidade.

Nos resultados conhecidos em julho, Santos Silva surgiu muito atrás de Paulo Portas ou de Luís Marques Mendes, num modesto quarto lugar nas preferências dos inquiridos, empatado, ironicamente, com Mariana Mortágua, uma boa companhia para um antigo trotskista.

Curiosamente, a referida sondagem privilegiava o almirante Gouveia e Melo, o que não será, também, muito lisonjeiro para a sociedade civil.

Dir-se-á que as presidenciais vêm longe e que tanto a família socialista como a social democrata terão outros potenciais candidatos em carteira, capazes de evitar outro militar na Presidência.

Moral da história: talvez Santos Silva ainda termine mesmo a carreira no púlpito da Universidade do Porto.