Que a política é muitas vezes um exercício de hipocrisia, já todos sabemos. Mas os políticos e os partidos têm de fazer um esforço para que a sua falta de escrúpulos, em certas situações, não seja evidente.
E não podem atirar pedras ao telhado do vizinho quando eles próprios têm telhados de vidro.
Ora, foi o que se viu nos ataques feitos pelo PS e por António Costa ao PSD e a Rui Rio, a propósito do acordo feito com o Chega nos Açores.
É óbvio que o acordo era criticável, como qualquer outro gesto político.
Os comentadores podiam criticá-lo, os outros partidos podiam criticá-lo, só havia uma pessoa e um partido que não o poderiam fazer – António Costa e o Partido Socialista.
Tendo concretizado a ‘geringonça’ no continente, estabelecendo um acordo de Governo com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista – que teria feito Mário Soares dar voltas na tumba –, o PS não estava obviamente em condições de criticar o PSD por ter a atitude simétrica, fazendo uma ‘geringonça’ à direita.
Sendo apoiado no Governo do continente por dois partidos de extrema-esquerda, António Costa estava moralmente impedido de atacar Rui Rio pelo acordo do PSD nos Açores com um partido de extrema-direita.
Mas o líder socialista não teve escrúpulos.
Na última campanha eleitoral, quando se sentiu ameaçado, fez-se de virgem e tentou diabolizar Rui Rio, colando-o ao Chega e agitando o papão do ‘fascismo’.
Não foi bonito e não foi sério.
Até porque Rio tinha dito à saciedade que o acordo nos Açores não seria replicado no continente.
Mas mesmo que o fosse, Costa não estava em situação moral de o criticar.
Agora, é a vez de o PSD fazer uma coisa semelhante.
Num cartaz gigante profusamente distribuído pelo país, vê-se Luís Montenegro de cabeça baixa, numa atitude compreensiva, junto de uma senhora de alguma idade – e depois, em grandes parangonas, lê-se do lado esquerdo «AUSTERIDADE SOCIALISTA – CORTE DE 1000 MILHÕES», e do lado direito «JUSTIÇA SOCIAL PSD – NENHUM CORTE».
Ora, todos os comentadores e todos os políticos tinham o direito de criticar as decisões do Governo sobre as pensões, concluindo – como muitos fizeram – que o Governo dá com uma mão e tira com a outra, ficando os pensionistas prejudicados no negócio.
Todos os partidos podiam dizer isto.
Todos menos um – exatamente o PSD.
Tendo sido responsável por uma política de austeridade muito dura – ainda que imposta pela troika e pela bancarrota –, o PSD era o único partido que não podia criticar a ‘austeridade’.
‘Austeridade’ é uma palavra proibida na boca dos sociais-democratas, a menos que seja para a elogiar, como fez recentemente Durão Barroso.
Mais: tendo sido o PSD o primeiro partido a impor na nossa história recente cortes nas pensões, não pode em nenhuma situação usá-los para criticar os outros.
Ao fazê-lo, até parece estar a gozar… consigo próprio.
A política pressupõe alguma falta de memória; mas este passado ainda está demasiado fresco para ter sido esquecido.
As pessoas ainda se lembram demasiado bem da ‘geringonça de esquerda’ feita pelo PS, para este poder censurar com um mínimo de credibilidade uma ‘geringonça de direita’.
As pessoas ainda se lembram com clara nitidez dos cortes nas pensões feitos pelo Governo de Passos Coelho, para ser possível o PSD vir atacar o PS por supostos ataques aos pensionistas.
É que, para lá de ser uma questão de moral e de uma mínima seriedade, é uma questão de eficácia.
As críticas não colam.
Luís Montenegro está no início do mandato como presidente do PSD, só irá a eleições em 2026, tem muito tempo à sua frente – e isso obriga-o a construir uma imagem digna, sólida, consistente.
Não pode viver de fogachos nem parecer um oportunista.
Tem de criticar o Governo respeitando aquilo que o PSD sempre defendeu – e não fingindo ignorá-lo.
Tem de se distinguir claramente do PS, mas com as suas armas e com os seus valores – e não com as armas do adversário.
Pescar nas mesmas águas do PS, nunca dará bom resultado.
Montenegro não pode procurar ultrapassar o PS pela esquerda.
Não pode renegar a história do seu partido para tentar chegar ao poder a todo o custo.
A incoerência, sobretudo quando é óbvia e evidente, paga-se muito caro.