O que diz o projeto de lei e os 31 subscritores do PS

Se as escolas, no seu dia a dia, inevitavelmente, concretizam direitos fundamentais previstos na Constituição e na lei, a verdade é que a especificidade da matéria em causa aconselha a que se regulamentem as medidas a adotar para proteger o exercício do direito à identidade e expressão de género e das características sexuais dos/as estudantes.

Projeto de Lei nº 332/XV
Estabelece o quadro para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da implementação da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto

Exposição de motivos
Por decisão do Tribunal Constitucional, de 29 de junho de 2021, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 1 e 3 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

Se as escolas, no seu dia a dia, inevitavelmente, concretizam direitos fundamentais previstos na Constituição e na lei, a verdade é que a especificidade da matéria em causa aconselha a que se regulamentem as medidas a adotar para proteger o exercício do direito à identidade e expressão de género e das características sexuais dos/as estudantes.

Concretamente, estando em causam, de forma identificada, o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos/as estudantes, a invocada inconstitucionalidade orgânica deve, naturalmente, ser ultrapassada através de lei da Assembleia da República.

Nestes termos, procede-se à criação de um regime legal que garante o exercício do direito à autodeterminação da identidade e expressão de género, bem como das características sexuais em ambiente escolar.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixoassinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei estabelece o quadro jurídico para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa.

Artigo 2.º
Adoção de medidas administrativas

Considerando a necessidade de garantir o exercício do direito das crianças e jovens à autodeterminação da identidade e expressão de género e do direito à proteção das suas características sexuais, e no respeito pela singularidade de cada criança e jovem, devem ser adotadas em cada escola medidas que, promovendo a cidadania e a igualdade, incidam sobre:
a) Prevenção e promoção da não discriminação;
b) Mecanismos de deteção e de intervenção sobre situações de risco;
c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais das crianças e dos jovens;
d) Formação dirigida a docentes e demais profissionais.

Artigo 3.º
Prevenção e promoção da não discriminação

Para efeitos de prevenção e combate contra a discriminação em função da identidade e expressão de género em meio escolar, as escolas desenvolvem, entre outras, as seguintes medidas:
a) Promover ações de informação/sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, incluindo pais ou encarregados de educação, tendo em vista garantir que a escola seja um espaço de liberdade e respeito, livre de qualquer pressão, agressão ou discriminação;
b) Estabelecer mecanismos de disponibilização de informação, incluindo o conhecimento de situações de discriminação, de forma a contribuir para a promoção do respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação de crianças e jovens que realizem transições sociais de género.
c) Assegurar a autonomia, privacidade e autodeterminação dos estudantes e do pessoal docente e não docente que realizem transições sociais de identidade e expressão de género.

Artigo 4.º
Mecanismos de deteção e intervenção

1 – As escolas devem definir canais de comunicação e deteção, identificando o responsável ou responsáveis na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença.
2 – A escola, após ter conhecimento da situação prevista no número anterior ou quando a observe em ambiente escolar, deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes legais, promover a avaliação da situação, com o objetivo de reunir toda a informação e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem.
3 – Qualquer membro da comunidade educativa que tenha conhecimento da prática de atos que representem um risco para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou jovem, deve comunicar esse facto à pessoa responsável pela direção da escola.

Artigo 5.º
Condições de proteção da identidade de género e de expressão

1 – Tendo em vista assegurar o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens, que realizem transições sociais de identidade e expressão de género, devem ser conformados os procedimentos administrativos, procurando:
a) Estabelecer a aplicação dos procedimentos para mudança nos documentos administrativos de nome e/ou género autoatribuído, em conformidade com o princípio do respeito pelo livre desenvolvimento da personalidade da criança ou jovem em processo de transição social de género, conforme a sua identidade autoatribuída;
b) Adequar a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens, designadamente, registo biográfico, fichas de registo da avaliação, fazendo figurar nessa documentação o nome adotado, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, garantindo que o mesmo não apareça de forma diferente da dos restantes alunos e alunas, sem prejuízo de nas bases de dados se poderem manter, sob confidencialidade, os dados de identidade registados;
c) Garantir que a aplicação dos procedimentos definidos nas alíneas anteriores respeita a vontade expressa dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem.

2 – No âmbito das medidas conducentes à adoção de práticas não discriminatórias, devem as escolas emitir orientações no sentido de:
a) Fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome autoatribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar, sem prejuízo de assegurar, em todo o caso, a adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação em situação que o exijam, tais como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares;
b) Promover a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam que se tome em consideração o género autoatribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por aquelas com que sentem maior identificação;
c) Ser respeitada a utilização de vestuário no sentido de as crianças e dos jovens poderem escolher de acordo com a opção com que se identificam, entre outros, nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo.
3 – As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.

Artigo 6.º
Formação

As escolas devem promover a organização de ações de formação dirigidas ao pessoal docente e não docente, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios.

Artigo 7.º
Confidencialidade

As escolas devem garantir a confidencialidade dos dados de estudantes que realizem o processo de transição de género bem como dos dados recolhidos no âmbito de aplicação dos mecanismos de comunicação e intervenção previstos no artigo 7.º do presente diploma.

Artigo 8.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 27 de setembro de 2022
As Deputadas e os Deputados,
Isabel Moreira
Eurico Brilhante Dias
Miguel Costa Matos
Edite Estrela
Pedro Delgado Alves
Porfírio Silva
Susana Amador
Alexandre Quintanilha
Alexandra Leitão
Maria Begonha
Carla Sousa
Miguel Rodrigues
Eunice Pratas
Eduardo Alves
Francisco Dinis
Tiago Soares Monteiro
Joana Sá Pereira
Pedro Anastácio
Lúcia Araújo Silva
Anabela Real
Paulo Araújo Correia
Rosa Venâncio
Marta Freitas
Francisco Oliveira
Rosário Gamboa
Patrícia Faro
Catarina Lobo
Pompeu Martins
Palmira Maciel
Ana Isabel Santos
Maria João Castro