Socialismo, negócios e familia

Para a nova trilogia do regime estar completa, é necessário entrar a Família. Não a Família à moda siciliana porque temos culturas diferentes, mas, ainda assim, uma relação próxima entre a genética e o lucro

por João Cerqueira

A divisa do Estado Novo – Deus, Pátria e Família – foi reformulada.

 Deus anda em parte incerta – talvez envergonhado do comportamento daqueles que se dizem representá-lo – e defender a Pátria – à exceção da seleção nacional de futebol – tornou-se algo vergonhoso conotado com a extrema-direita. Porém, a Família – apesar de alguns a quererem substituir pelo Estado – resiste e ainda tem os seus defensores. Assim, no atual regime socialista, se os dois primeiros valores desapareceram, o terceiro – a Família – manteve-se.

Quanto aos dois novos valores – Socialismo e Negócios –, eles são o símbolo da modernidade do século XXI. O Socialismo produziu os melhores regimes democráticos, estadistas como José Sócrates, Lula da Silva e Nicolás Maduro, e até as suas bancarrotas são superiores às restantes. Se na origem do Socialismo os Negócios não eram bem vistos e associados à exploração dos trabalhadores, neste século estas duas forças souberam pôr de lado as suas divergências, conhecer-se e compreender-se para estabelecerem uma relação de intensa paixão. O Socialismo e os Negócios andam sempre de mãos dadas trocando carícias e juras de amor eterno. José Sócrates fez bons negócios com a PT, o grupo LENA e o empreendimento do Vale do Lobo. Lula da Silva fez negócios ainda melhores com a construtora Odebrecht. E Maduro, tal como antes Chávez, é o rei do petróleo.

Todavia, não existiam laços familiares. Para a nova trilogia do regime estar completa, é necessário entrar a Família. Não a Família à moda siciliana porque temos culturas diferentes, mas, ainda assim, uma relação próxima entre a genética e o lucro.

Como tal, recentemente, ficou-se a saber que o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas e detém uma empresa na área da saúde; a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, concedeu milhares de euros em fundo europeus a duas empresas do seu marido; e o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, atribuiu também dinheiros públicos a uma empresa cuja família possui maioria do capital. Como já escreveram outros comentadores, numa altura em que a Família se encontra sob ameaça, havendo até grandes pensadores como a ministra da Educação de Espanha, Isabel Celaá, e o timoneiro Mao-Tsé-Tung que consideram que os filhos não pertencem aos pais, estes exemplos de defesa da família são de louvar.

Na verdade, os ditadores europeus nunca trataram bem as famílias: Estaline mandou o filho para a frente de combate; Mussolini esqueceu-se de nomear Clara Petacci ministra da Igualdade; Salazar nunca propôs uma afilhada para a União Nacional.

Ainda assim, como estamos perante valores de modernidade do século XXI, o Governo socialista está a cometer uma falha grave pela sua dimensão discriminatória. Ou seja, ainda nenhum membro do Governo pertencente à comunidade LGBTQIA+ atribuiu fundos públicos ao seu marido, marida ou companheir@. Ora isto é incompreensível. Portanto, a bem da nossa imagem perante o mundo civilizado é necessário nomear algum ministr@ ou secretário de estad@ daquela comunidade cujos valores éticos estejam fortemente ancorados no princípio de que a Família está primeiro – e de que o dinheiro dos outros é nosso. Depois, @ novel governante no uso das suas funções deverá, mal apareça a primeira oportunidade de sacar guito europeu ou de lançar um ajuste direto, rechear a carteira do seu marido, marida, companheir@ ou outros parentes.

Isto, sim, irá impressionar o mundo. Na Finlândia, a primeira-ministra Sanna Marin aparece a dançar toda doidinha num vídeo. Em Portugal, um@ governante LGBTQIA+ irá favorecer a pessoa com quem se casou ou vive em união de facto – podendo também amb@s aparecerem depois num vídeo a dançar ao som dos Village People e a beber champanhe comprado com esses mesmos fundos.

Poderão alguns retrógrados questionar se estes dinheiros foram bem entregues, se as empresas dos familiares produziram riqueza e geraram empregos ou, inclusive, se não se estaria perante casos de nepotismo que prejudicam os restantes empresários e distorcem a concorrência. Este raciocínio é bastante tacanho porque considera que os valores materiais são mais importantes do que os valores familiares. O amor entre um casal ou entre pais e filhos não tem preço. Do mesmo modo que a uma mãe que se vê forçada a doar um bebé para adoção, não passa pela cabeça colocar-lhe uma etiqueta nas orelhas com um valor em euros.

Demais, num país rico onde se gastam biliões em companhias de aviação falidas, em aeroportos sem aviões e em estudos para mandar para o lixo, discutir ninharias como cem mil euros ou valores semelhantes que qualquer pessoa que trabalhe ganha ao fim do mês, é ridículo.