FC Porto-Benfica. Parelhas de coices e pontapés na tromba!

Em 1913 já benfiquistas e portistas se batiam galhardamente pela honra de uma vitória. Ninguém diria que se passaram 109 anos. O torneio terminou em pancadaria.

Em 1913, o Benfica era um jovenzinho, como gosta de dizer o nosso Vítor Manuel, homem de coração enorme. Um jovenzinho a caminho do Porto para uma agradável aventura. Em 1913, o FC Porto também se julgava um jovenzinho. Depois, foi preciso muita ginástica para que esse jovem FC Porto de 1913 fosse, muitos e muitos anos mais tarde, transformado num adulto. Efeitos da progeria, essa doença terrível que destrói tanto como a mentira. Deixemos isso. Vamos falar de outro clube portuense, este sim, de uma digníssima antiguidade, o Oporto Cricket Law Tennis Club, fundado no ano de 1855 lá para para os lados do Campo Alegre. E vamos falar também do Real Vigo Sporting Club que, fundado em 1905, se fundiria em 1923 com o Real Fortuna Football Club da mesma cidade para dar lugar ao Celta de Vigo.

Inaugurava-se o Campo da Constituição, um dos monumentos ao futebol português. O presidente da direcção portista, Joaquim Pereira da Silva, arquitecta um torneio internacional disputado por clubes de três cidades, Porto, Lisboa e Vigo, e assim chegamos aos quatro clubes até agora apresentados. Realizou-se a prova num sistema de “poule”, todos contra todos, a uma volta, nos dias 31 de Janeiro, 1 e 2 de Fevereiro. A primeira jornada colocou frente a frente o FC Porto, anfitrião, e o Real Vigo, com vitória dos primeiros por 4-0. Eram nesse tempo figuras da equipa azul e branca treinada pelo francês Adolphe Cassaigne, o guarda-redes Peter Janson, Mário Maçãs, Carlos Megre, Charles Allwood, Magalhães Bastos, Camilo Moniz, Constantino Encarnação e Ivo Lemos. Já o Benfica, como se sabe, actuava só com portugueses: Paiva Simões, Henrique Costa, Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião, Artur José Pereira, Álvaro Gaspar, Alberto Rio… Frente ao Oporto Cricket Club, a vitória encarnada foi expressiva (8-2), embora ligeiramente ensombrada pelo facto de os portuenses não terem conseguido apresentar um onze completo, ficando-se por um guarda-redes e nove jogadores de campo.

 

Pancadaria!

Defrontaram-se então as duas equipas vencedoras da jornada inicial. Encheram-se de brios os portistas na vontade de bater os lisboetas no seu novo campo. E de tal forma que rapidamente chegaram à vantagem, vantagem essa que logo tentaram defender, recuando em bloco para junto da sua baliza e procurando frustar as tentativas de Alberto Rio, Luís Vieira e Álvaro Gaspar, os benfiquistas em maior destaque. O inglês Janson, com uma série de defesas vistosas, foi adiando o empate. Debalde. A superioridade encarnada era por demais evidente. O Benfica chegou ao 3-1 e poderia ter feito mais alguns golos. Decidia-se a conquista do belo troféu em prata, a Taça Futebol Clube do Porto na terceira e derradeira jornada. O público não teve pejo de desembolsar os 320 réis que permitiam assistir aos dois jogos. O desafio entre Benfica e Vigo não chegou ao fim. Azedaram-se os espíritos e mandou-se às malvas o tão saudado desportivismo. Na segunda parte o regabofe foi total. Ora leiam o que se escreveu: “O defesa esquerdo do Vigo, defendendo uma avançada de Luís Vieira, depois de dar um pontapé na bola, voltou-se, pôs as mãos no chão e recebeu a carga do jogador português com uma verdadeira ‘parelha de coices’”. Edificante, no mínimo. Mas não se ficou por aqui: “A seguir, caso que já não era sem precedentes, um jogador do Benfica, ao dar com a cabeça na bola, levou na cara um pontapé de um jogador espanhol, incidente que pouco depois se repetia, com a agravante de o homem de Vigo se rir do molestado, facto que este tomou como provocação e de que se desforrou dando um soco no adversário”. Caldo entornado de uma vez por todas. Continua o cronista: “Imediatamente foi o campo invadido por muitos espectadores, formando-se dois partidos antagónicos, o que levou a autoridade a intervir e o árbitro a dar por findo o desafio faltando três minutos para completar o tempo. E assim a taça posta em disputa neste interessante torneio, pelos resultados obtidos, foi entregue ao Sport Lisboa e Benfica”. Interessante, mas com reticências…

Não terão dado os encarnados a viagem por mal perdida. Nem terão chorado certamente os adeptos os seus 320 réis…