Professores

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Falámos recentemente de professores e alunos a propósito do “Regresso às Aulas”, que aconteceu há poucas semanas.

Na passada semana também se celebrou o “Dia mundial dos Professores”.

Muito se tem falado da crise que existe pela falta de professores. Ao contrário do que acontecia há uns anos, hoje poucos são os estudantes que têm ambição de tirarem um curso para virem a ser professores. 

O que não é de admirar pela falta de condições que existe!

Curiosamente, chegou-me às mãos um contrato que era feito com as professoras, em 1923. Precisamente há cem anos.

Não resisto a partilhar contigo parte do contrato que tinha as seguintes cláusulas:

“A senhorita compromete-se a:

– Não se casar. Este contrato fica automaticamente anulado e sem efeito se a professora se casa.

– Não andar na companhia de homens.

– Ficar em sua casa entre as 8 da noite e as 6 da manhã, a não ser que seja para atender a uma função escolar.

– Não passear pelas sorveterias no centro da cidade.

– Não abandonar a cidade sob nenhum pretexto, a não ser com a permissão do Presidente de Delegados.

– Não fumar cigarros. Este contrato fica automaticamente anulado e sem efeito se a professora for encontrada fumando.

– Não beber cerveja, vinho ou uísque. Este contrato fica automaticamente anulado e sem efeito se a professora for encontrada bebendo qualquer uma destas bebidas.

– Não viajar em carruagem ou automóvel com qualquer homem, excepto seu irmão ou seu pai”

E eram estas as regras para as professoras de há um século.

Confesso-te que fiquei bastante intrigado com a cláusula da sorveterias.

Que bom termos evoluído tanto. Apesar do muito que há para fazer!

Bjs

 

Querido neto, 

As pessoas costumam dizer que os miúdos não sabem nada, que não se interessam pela escola, etc. O que não é verdade. Ou seja – tudo depende dos professores que têm.

Como sabes eu vou muito a escolas e, pelos miúdos, eu vejo logo que professores têm. Se os professores não se interessam pelo que estão a fazer, os miúdos também não.

Lembro-me de ter ido um dia com o Mário de Carvalho a uma escola em que a professora nos apresentou aos alunos e depois disse:

«Estão muito bem entregues, até logo!» – e foi à vida, como se aquilo não lhe dissesse respeito.

Vai daí, o Mário de Carvalho perguntou aos miúdos.

«Vocês querem muito falar connosco?»

E eles: «Nãããããão!»

E fomo-nos embora.

Também me lembro de ir a uma escola falar com os miúdos sobre os Lusíadas – e eles não saberem rigorosamente nada. Virei-me para a professora e perguntei-lhe:

«Não lhes ensinou isto?»

E ela: «Eu??? Eu também não percebo nada disso!»

Mas há professoras extraordinárias – e felizmente são muitas!

Lembro-me, por exemplo, da minha querida amiga Odília Sá, de uma escola de Mafra (infelizmente – para os alunos… – já reformada) que fazia tudo o que queria dos miúdos. Mas saía-lhe do pelo, claro! Ela levava escritores e artistas à sua classe, ela fazia visitas de estudo de que eles gostavam, ela fazia concursos de escrita entre eles, era realmente um espanto.  

Claro que há muitas professoras extraordinárias que levam os miúdos a gostar de ler, a interessarem-se pela matéria…

Lembro-me de uma vez ir a uma escola lá no “Cu de Judas”, no norte do país. Quando cheguei o professor estava a ler uma história aos miúdos. E como ele lia bem!! O texto não era fácil e, a dada altura, um miúdo disse «ó professor, não sei que palavra é essa».

E os outros todos: «Cala-te, a gente também não sabe, mas é muito bonito!».

Espero que também tenhas tido grandes professores.

Bjs