Especialista diz que corredor verde para ligar península ibérica a França é “um disparate total”

O projeto levanta algumas dúvidas a Clemente Pedro Nunes ao considerar que Portugal não irá sair beneficiado e questiona se o investimento se irá refletir nas tarifas a pagar pelos portugueses.

Já foi dado o tiro de partida para ser criado o gasoduto ibérico. A confirmação foi dada pelo primeiro-ministro espanhol à margem da reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, dando conta de que Portugal, Espanha e França concordaram em substituir o projeto do Midcat pela construção de “um corredor de energia verde”, considerado como a opção mais direta e eficiente para ligar a Península Ibérica ao centro da Europa. Segundo Pedro Sánchez, este novo projeto vai unir Portugal, Espanha e França no “mercado energético europeu” A ligação vai instalar-se entre Barcelona e Marselha, com o objetivo de servir para a circulação de gases renováveis como o hidrogénio verde, mas transitoriamente poderá ser utilizado para o transporte de gás natural. Em paralelo, serão reforçadas as interconexões elétricas.

António Costa, após estas declarações, veio referir que o novo projeto irá permitir completar a interconexão entre Portugal e Espanha, entre Celorico da Beira e Zamora, avançando depois entre Barcelona e Marselha por via marítima. “Conseguimos ultrapassar um bloqueio histórico em torno das interconexões da Península Ibérica com o conjunto da Europa”, acrescentando que “houve muito trabalho a ser feito ao longo deste último ano, quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista político”. E não hesita: trata-se de “um bom contributo que Portugal e Espanha dão para o resto da Europa”.

Pouco convencido com este projeto está Clemente Pedro Nunes, professor catedrático do Instituto Superior Técnico. “É uma declaração política. Vejo isso como uma bandeira mediático-política que não acrescenta nada para Portugal. É uma boa jogada para Espanha”, diz ao i, acrescentando que não percebe a ligação entre Celorico da Beira e Zamora, uma vez, que “não tem nada a ver com o Mediterrâneo e com França”.

E questiona quem irá pagar essa ligação, referindo que a REN tem todo o interesse em avançar com este tipo de projetos, já que os investimentos por parte da empresa são automaticamente garantidos, desde que sejam aprovados e, nesse caso, tem uma remuneração garantida. “De acordo com a lei, os investimentos com as infraestruturas, nomeadamente os gasodutos, desde que sejam aprovados pela ERSE, a rentabilidade está assegurada por lei, agora aquela interligação já tinha sido aprovada há uns sete anos e, na altura, houve vários pareceres negativos, incluindo a da ERSE porque não se justificava tendo em conta o interesse dos consumidores portugueses, já que aumentava a tarifa. Isto é um disparate total”. 

Perante este cenário, Clemente Pedro Nunes, questiona se há algum fundo específico para fazer esta interligação entre Celorico da Beira e Zamora. “É um projeto que, mais uma vez, arrisca-se a ir à tarifa e a ser paga pelos consumidores portugueses, a não ser que isso seja pago por fundos europeus específicos, para não desviar outras verbas que já tenham sido atribuídas”, salienta.

O especialista chama ainda a atenção para o facto de Sines não estar na equação, “porque já de si tem uma ocupação bastante elevada” e, como tal, entende que os dois terminais que ficam beneficiados serão Barcelona e Valência que ficam com esse escoamento para França. 

O que está em causa O novo projeto prevê uma ligação por mar entre Barcelona e Marselha (BarMar) em detrimento de uma travessia pelos Pirenéus. No entanto, o calendário, as fontes de financiamento e os custos relativos à execução deste corredor serão debatidos num novo encontro a três, agendado para 9 de dezembro, em Alicante.
As infraestruturas que serão criadas para a distribuição de hidrogénio “deverão ser tecnicamente adaptadas para transportar outros gases renováveis, bem como uma proporção limitada de gás natural como fonte temporária e transitória de energia”.

De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa é um bom acordo para a Europa, e também é “muito importante para Portugal e Espanha, que o defendiam há muito tempo, muito importante para a França, que introduziu o hidrogénio verde”, declarou o chefe de Estado aos jornalistas, em Dublin, durante a sua visita de Estado à Irlanda. E lembra que se trata de um projeto que “pode ser muito útil para a Europa, para o centro da Europa, para o norte da Europa, que precisam urgentemente, com a aproximação do inverno, de uma solução alternativa” ao gás fornecido pela Rússia.

Novas medidas Este acordo foi anunciado na véspera de mais uma discussão sobre a crise energética na União Europeia que arranca esta sexta-feira em Bruxelas, com os líderes europeus a estudarem medidas para combater os elevados preços e assegurar a segurança do abastecimento. Um encontro que é feito dias depois de a Comissão Europeia ter apresentado novas medidas para aliviar os preços do gás e da luz, a maior parte das quais terão efeito no inverno do próximo ano.

Em cima da mesa está a compra conjunta de gás e a introdução de um mecanismo temporário para limitar os preços excessivos do gás. A ideia é seguir o mesmo exemplo do que se verificou com as vacinas contra a covid-19.

“Propomos instrumentos jurídicos para congregar a procura energética a nível europeu. Permitimos, assim, às empresas energéticas criar um consórcio de compras de gás para que possam, em conjunto, adquirir gás”, anunciou Ursula von der Leyen.

No entanto, a proposta pressupõe uma participação obrigatória das empresas dos Estados-membros na compra conjunta para cumprir pelo menos “15% dos volumes necessários para encher as reservas”.