Dar corda aos sapatos

É que, enquanto na Adidas há ‘despedimentos ilegítimos’ e ‘deslocalização abusiva’ de serviços, no BE há ‘perda de funcionários’ e a afirmação da não dependência de ‘favores’ e de ‘financiamentos de terceiros’.

No início deste ano de 2022, a Adidas lançou uma campanha mundial recuperando o seu velho slogan ‘impossible is nothing’, perpetuado pelo lendário pugilista Muhammad Ali.

O slogan publicitário tinha sido substituído na última década por um novo, ‘All in’, que passou a ser a imagem da marca alemã ligada a todo o género de equipamento e calçado desportivo.

No princípio desta semana, ficou a saber-se que a Adidas vai dispensar 300 dos atuais 900 trabalhadores que emprega na sua unidade de produção na Maia (Porto), porque parte das atividades ali desenvolvidas (como, por exemplo, a contabilidade) serão deslocalizadas para outras geografias (nomeadamente para a Ásia e em particular para a Índia).

E logo de imediato os partidos da extrema esquerda e suas extensões sindicais saíram a terreiro, clamando pelo direito ao trabalho e contra os despedimentos e a deslocalização de serviços.

Há uns dias, Catarina Martins foi confrontada com a redução para metade dos funcionários do Bloco de Esquerda, na sequência da perda significativa de receitas, em face da redução da subvenção estatal a que o partido passou a ter direito depois das legislativas de janeiro passado – em que a representação parlamentar do BE passou de 19 para 5 deputados. A coordenadora bloquista foi clara e concisa:  «O BE tem menos recursos financeiros e, portanto, reduz a sua estrutura, porque não vai trabalhar com dívida».

Curiosas declarações estas, as da líder do BE, que não esclareceu a que métodos mágicos o partido terá recorrido para conseguir reduzir os seus funcionários – certamente nenhum contratado a termo nem com aqueles vínculos de precariedade contra os quais o BE sempre se bateu – nada mais, nada menos do que para metade.

Sim, para metade!!! E o plano de restruturação interno passou pelo fecho de sedes concelhias e distritais, assim também reduzidas de forma muito significativa.

Pois é, se as empresas pudessem recorrer a esses mesmos métodos mágicos e legais em vez de serem obrigadas a endividarem-se muito para além das suas possibilidades, se a lei laboral fosse menos inflexível para elas do que para os partidos que as fazem, talvez as soluções pudessem ser outras que não a deslocalização para além fronteiras ou, não raro, um sempre indesejado mas tantas vezes inevitável encerramento com o consequente despedimento coletivo.

E pena é que nem assim lhes sirva de lição. De outro modo, Catarina Martins com toda a certeza não continuaria a reivindicar coerência entre as práticas internas de saneamento financeiro do partido e as bandeiras do discurso propagandístico do BE, pelo direito ao trabalho e contra os despedimentos e a precariedade laboral.

É que, enquanto na Adidas há ‘despedimentos ilegítimos’ e ‘deslocalização abusiva’ de serviços, no BE há ‘perda de funcionários’ e a afirmação da não dependência de ‘favores’ e de ‘financiamentos de terceiros’.

Não é extraordinário?

Mais a mais, se no caso da Adidas, uma multinacional alemã, estamos a falar de investimento estrangeiro, já no do BE trata-se de dinheiro dos contribuintes, que é de onde provém a subvenção estatal que alimentava toda a máquina bloquista – uma vez que em matéria de militância, ao que garantem os próprios, o partido não está em crise e até se recomenda, supondo-se por isso que as inerentes receitas das quotas não decresceram.

E aí é que está o busílis: é que quem anda na mama do Estado é quem menos defende quem mais investe, antes ataca, e é quem menos se preocupa com as causas do desinvestimento ou da preferência por outras geografias, limitando-se a protestar por direitos que não caem do céu e alguém tem de pagar.

O problema é que quem paga não pode nem está para se sujeitar a leis obsoletas e muito menos a tribunais cuja inércia ou lentidão só aproveitam a quem não interessa que se faça justiça.

É por isso que quem pode dá corda aos sapatos e faz-se a outras paragens.

Aqui, enquanto for assim, é mesmo impossível.