O neocorporativismo

Este ziguezague mostra com muita clareza uma coisa: António Costa não tem uma estratégia para o país. O seu objetivo é gerir o poder, fazendo o que, em cada momento, for mais adequado a isso. Ontem aliou-se à esquerda, hoje junta-se à direita. Ontem aliou-se aos trabalhadores comunistas e aos seus amigos, hoje alia-se aos…

Fala-se hoje muito em ‘neoliberalismo’, termo que tem assumido nas últimas décadas vários significados, levando a que, muitas vezes, não se saiba muito bem do que se está a falar. Sabe-se o que é o liberalismo, não se sabe exatamente o que significa neoliberalismo.

Em contrapartida, há uma palavra que nunca até hoje vi usada mas já deveria ter sido incluída no vocabulário: ‘neocorporativismo’.

Salazar introduziu em 1933 o corporativismo em Portugal, teoria que preconizava o entendimento entre patrões e trabalhadores, mediado pelo Estado, no sentido de garantir a paz social.

Durante quarenta longos anos, o corporativismo foi arrasado pela esquerda em geral e pelo PCP e seus compagnons de route em particular.

E porquê?

Porque a esquerda marxista não defendia a paz social mas a luta de classes, o combate dos trabalhadores contra os patrões.

Não queria o diálogo e a conciliação, queria a confrontação e a guerra.

E, assim, marxismo e corporativismo surgiram como teorias opostas, sendo mesmo o corporativismo apresentado como sinónimo de ‘fascismo’, dado ser o modelo seguido na Itália de Mussolini.

Acontece que, em Portugal, há três semanas, o Governo, as associações patronais e algumas associações sindicais assinaram um acordo com vista à paz social nos próximos quatro anos, que seria depois completado com um acordo semelhante na Função Pública.

Só a CGTP, ou seja, a central sindical afeta ao PCP, ficou de fora.

A estes acordos entre patrões e trabalhadores, com o Governo pelo meio, chama-se hoje pomposamente ‘concertação social’.

Mas o que significa, de facto, senão um novo corporativismo?

O que significa senão a procura de evitar a luta de classes?

Curiosamente, quem não participou foi a esquerda comunista, como acontecia no tempo do Estado Novo.

A história parece repetir-se, embora o regime tenha mudado.

É bom recordar que o primeiro-ministro que assinou este acordo de concertação social foi o mesmíssimo que, em 2015, assinou um acordo com o PCP e o BE para a viabilização de um Governo – a chamada ‘geringonça’.

Ou seja: António Costa, que em 2015 se empenhou na procura de um acordo à sua esquerda, fechando ostensivamente a porta a qualquer entendimento com a direita, sete anos passados volta-se todo para a direita, deixando a esquerda de fora.

O que dizer disto?

Como interpretar isto?

Este ziguezague mostra com muita clareza uma coisa: António Costa não tem uma estratégia para o país.

O seu objetivo é gerir o poder, fazendo o que, em cada momento, for mais adequado a isso.

Ontem aliou-se à esquerda, hoje junta-se à direita.

Ontem aliou-se aos trabalhadores comunistas e aos seus amigos, hoje alia-se aos patrões e volta as costas aos trabalhadores comunistas.

Esta falta de estratégia reflete-se em tudo.

Ontem a palavra de ordem era nacionalizar a TAP, que o Governo PSD/CDS tinha privatizado ‘criminosamente’, lesando os interesses dos portugueses; hoje o objetivo é privatizar a TAP, porque representa um encargo insustentável para os portugueses.

Ontem o Governo fechava as portas às PPP, acabando com os acordos com os privados na saúde; amanhã retomá-las-á, com a mesma convicção com que as rejeitou. Aliás, o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, já veio dizer que na saúde o país tem de usar toda a capacidade instalada e não apenas o SNS. E é isso que faz sentido.

Ontem o PS rejeitava a austeridade e punha em causa o cumprimento do défice; hoje põe em prática a austeridade e assume (e bem) a importância de respeitar o défice e ter as ‘contas certas’.

António Costa é um piloto que navega à vista, que em cada momento faz o que lhe parece mais popular ou mais útil à sua situação.

Agora deu 125 euros a cada cidadão, o que não lhes resolve problema nenhum: as pessoas viverão um bocadinho melhor este mês, mas no próximo terão de voltar a contentar-se com o que recebiam antes. No entanto, ficam gratas ao Governo por lhes dado um bónus; e alimentam a expectativa de, para o ano, poderem voltar a receber alguma coisinha.

Com este tipo de política, julgo que António Costa se pode ir eternizando no poder.

O país não cresce, não aumenta a sua capacidade produtiva, mas as pessoas vão estando satisfeitas.

A menos que a situação económica aperte muito, e o primeiro-ministro já não tenha passes de mágica para ludibriar a realidade, o Governo ir-se-á aguentando.

E mesmo que a popularidade de Costa se degrade bastante, é preciso que Luís Montenegro tenha conseguido criar a esperança de que fará muito melhor.

Ora, ainda está muito longe de conseguir transmitir essa ideia.