Quando a docência é penitência

Se tivermos em conta que do ensino capaz depende o futuro das novas gerações, percebemos facilmente que o interesse na resolução do problema tem de ser de muitos mais.

por Nuno Melo

O protesto que junta tantos professores na luta contra a degradação impressionante da carreira docente em Portugal, traduz uma causa realmente justa. Mas se tivermos em conta que do ensino capaz depende o futuro das novas gerações, e reflexamente o sucesso do país, percebemos facilmente que o interesse na resolução do problema tem de ser de muitos mais.

Ser professor hoje em dia pode ser penoso e profundamente desmotivante. A profissão é tendencialmente precária, o sistema permite colocações absurdas pela distância, as famílias são separadas sem sensibilidade, e os salários são exíguos e incompatíveis com o valor das despesas de transporte, alimentação e habitação. Por seu lado, há anos que o Estado dinamita a autoridade dos professores, coloca os alunos a par – como se alunos e professores devessem estar no mesmo plano –, abdica de mínimos de exigência e da avaliação a pensar nas estatísticas e pune os docentes que se atrevam a considerar o mérito e a sancionar a preguiça, apesar da normalidade do propósito , pelo menos num mundo provido de senso.

A persistência neste modelo injusto e perverso, determina como consequência necessária um dano colateral indesejável, medido na crescente diferença entre alguns estabelecimentos do ensino público, privado e cooperativo.

Se existem extraordinários exemplos de qualidade no ensino público que devem ser realçados, também encontrarmos outros de pouca, ou nenhuma, condicionados por circunstâncias da envolvente sociológica, ou profunda desmotivação dos profissionais, forçados a trabalhar sem condições. Acontece que quanto mais o Governo queira nivelar por baixo, mais encontrará pais que pretendem muito melhor para os seus filhos. Tendo acabado com os contratos de associação que concediam igualmente oportunidades de escolha aos mais pobres, o acesso a ofertas melhores no ensino privado e cooperativo ficou apenas ao alcance de quem, sendo mais rico, as possa pagar. E tendo mais recursos, estes estabelecimentos acabam por garantir melhores ferramentas, autonomia, condições salariais e maior estabilidade na carreira a docentes, factores suficientes para, tendencialmente, garantirem melhores resultados e distinções nos rankings comparativos.

Paradoxalmente, constatamos então que a visão do socialismo no ensino em Portugal tem tido como primeira consequência o aprofundamento das desigualdades.

Constatado o óbvio, seria suposto que o Governo corrigisse a trajectória, devolvendo aos professores no ensino público condições que dignificassem com justiça o exercício da profissão. Inversamente, contudo, a tutela limita-se a tentar que também o ensino privado e cooperativo reduzam a exigência, para que o insucesso no plano político se torne menos notado.

Lamentavelmente, enquanto assim suceder, e parece que está para durar, para muitos, a arte de ensinar em Portugal terá muito mais de penitência, que de docência.