Os treinadores portugueses

As vitórias de José Mourinho no FC Porto abriram as portas da Europa e do mundo aos treinadores portugueses – que hoje treinam equipas em todo o planeta: na Europa, em África, no Médio Oriente, na Ásia, no Brasil. Será que este ciclo está a terminar?

A vitória de José Mourinho na antiga Taça UEFA (hoje Liga Europa) e depois na Liga dos Campeões, com o FC Porto, abriu aos treinadores portugueses as portas da Europa do futebol.

Artur Jorge tinha tido uma experiência semelhante, ao vencer com o mesmo FC Porto a então Taça dos Campeões Europeus. Mas enquanto Artur Jorge esteve depois pouco tempo no estrangeiro, regressando a Portugal para treinar o Benfica e perdendo-se, Mourinho fixou-se lá fora e não mais voltou a Portugal. Tornou-se um dos melhores treinadores do mundo, acumulou títulos e chamou a atenção de todos para os treinadores portugueses.

Hoje dezenas de compatriotas nossos treinam equipas no mundo inteiro – na Europa, em África, no Médio Oriente, na Ásia, no Brasil.

E alguns venceram importantes competições, como Abel Ferreira e Jorge Jesus.

Há 50 anos os técnicos brasileiros pontificavam no futebol português – hoje, são os técnicos portugueses a brilhar no futebol brasileiro.

Os nossos clubes deixaram de ir buscar treinadores lá fora, apostando na prata da casa.

Até que, após um regresso dececionante de Jesus ao Benfica, saindo a meio do campeonato, o clube da Luz decidiu voltar a apostar num estrangeiro.

No início da época, um amigo adepto do Benfica dizia-me: «Não confio neste treinador». E a previsão tinha alguma razão de ser. Com tantos clubes a vir buscar treinadores a Portugal, como compreender que o Benfica fosse contratar um alemão?

Num dos primeiros jogos da temporada vi por acaso o Benfica jogar 10 minutos e disse a esse meu amigo: «O Benfica vai ser campeão. E o Sporting vai ser 3º… ou 4º».

Percebi que o Benfica estava muito diferente para melhor em relação à época passada. Não jogava um futebol intenso, raçudo, como o do FC Porto. Mas defendia com muitos jogadores perto da área adversária, dificultando imenso a saída da outra equipa; distribuía muito bem os jogadores pelo campo; mostrava uma grande personalidade.

E assim, com aparente facilidade, tem vindo a construir resultados surpreendentes, como uma vitória no estádio da Juventus ou um empate no Parque dos Príncipes contra o milionário Paris Saint-Germain.

Roger Schmidt, o treinador do Benfica, tem um princípio: joga sempre com a mesma equipa. Só em caso de castigos ou lesões substitui jogadores. E faz quase sempre as mesmas substituições, com o mesmo tempo de jogo. E com isso criou rapidamente rotinas. Os jogadores já jogam quase de olhos fechados. Sabem as qualidades e os defeitos uns dos outros, conhecem os movimentos que os colegas fazem.

E, neste aspeto, o alemão é o oposto de um jovem técnico que recentemente foi campeão e hoje está pelas ruas da amargura: o treinador do Sporting, Rúben Amorim.

Há dois anos, com uma equipa destroçada, depois da catástrofe protagonizada por Bruno de Carvalho e a invasão de Alcochete, pegando numa equipa que tinha perdido os seus melhores jogadores, Amorim agarrou num punhado de miúdos e fez deles campeões.

Foi um feito tremendo.

Dir-se-ia que, depois disso, o Sporting só teria a melhorar. Os jogadores amadureceriam e o próprio treinador ganharia experiência, os seus métodos seriam aperfeiçoados e melhor assimilados pela equipa.

Mas sucedeu o contrário: na época passada, o Sporting fez pior do que no ano anterior. E nesta época está ainda pior. Muito pior.

Ao contrário de Roger Schmidt, Rúben Amorim joga sempre com equipas diferentes. Muda de equipa de jogo para jogo. Faz substituições inesperadas e às vezes incompreensíveis. Em jogos da Champions contra equipas poderosas lança jogadores que quase nunca jogaram, mesmo a nível nacional.

Num jogo decisivo para o Sporting, contra o Tottenham, em Londres, com o resultado em 1-1, lançou de uma assentada 4 ou 5 miúdos inexperientes – revelando uma coragem que roça a temeridade.

Mas se a coragem é uma qualidade; se foi ela que lhe permitiu ser campeão; se lançar jogadores jovens ao mais alto nível é muito importante para um clube, pois os valoriza e põe na montra, potenciando futuras transferências, o excesso de coragem pode tornar-se um problema.

Penso que o Sporting está a pagar esse preço. Há uma grande instabilidade emocional. A constante rotação de jogadores impede a estabilização de um padrão de jogo.

Enquanto o Benfica transpira tranquilidade, o Sporting transpira nervosismo. Enquanto o Benfica transpira confiança, o Sporting transpira insegurança. Enquanto o Benfica nunca se desorganiza, o Sporting perde-se com facilidade em campo.

A diferença de pontos que separa o Benfica do Sporting no campeonato (12 pontos) não vai ser boa para os treinadores portugueses. Valorizados ao máximo durante duas décadas, com esta chegada imperial de Roger Schmidt a Portugal, batendo facilmente Rúben Amorim e mesmo Sérgio Conceição (o FC Porto está a 8 pontos do Benfica), o interesse pelos técnicos portugueses vai certamente diminuir.

O futebol, como a vida, é mesmo assim: nada é eterno. Nenhuma lei é para sempre. Também há uns anos tínhamos as equipas portuguesas inundadas de jogadores brasileiros e hoje temos também espanhóis, argentinos, uruguaios, noruegueses, dinamarqueses, iranianos…

Será que se fechou o ciclo de sucesso dos treinadores portugueses? Pelo menos, Rúben Amorim, que há um ano parecia destinado a altos voos, terá agora de marcar passo mais um tempo.