Ferraz da Costa. “Muitos até gostariam de trabalhar só três dias”

Para o empresário e também presidente do Fórum para a Competitividade, a ideia de reduzir a semana de trabalho para quatro dias “é chique, está na moda” e Portugal foi atrás.

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Como vê esta ideia de avançar para uma semana de trabalho de quatro dias?

Custa-me a crer que as pessoas estejam a ter esta conversa a sério.

Acha que é tudo uma fantasia?

Acho, claro que acho.

E como será compensado em termos de trabalho este quinto dia?

Há determinadas empresas que já parecem que fazem isso. Fora aqueles que já não trabalham cinco dias por semana.

Acha que é um projeto para “deitar areia para os olhos”?

Mostra que António Costa é muito amigo de toda a gente e até nos vai pôr a trabalhar menos horas e as pessoas acham que se calhar até é possível. E tem sido tudo possível. O Presidente da República não disse que os médicos deviam passar para as 35 horas por semana e que essa medida era tranquila porque não implicava encargos adicionais? Como é que isso era possível? Só não implicou porque não meteram pessoas suficientes para os substituir e as pessoas agora esperam não sei quanto tempo para ir a uma consulta e o hospital de Santa Maria está atualmente com quase 24 horas de atraso nas urgências. Olhando para estas realidades da vida como é que vamos trabalhar quatro dias por semana?

E os trabalhadores correm o risco de ter de trabalhar em casa nesse dia que seria de folga?

Acho que não. Mas também acho que desde a pandemia há muito menos interesse em trabalhar e os mais novos ainda menos interesse têm.

Como disse em entrevista ao i e que criou muita polémica foi que “muitas pessoas ganham muito para aquilo que trabalham”…

Exato, mas não estava a falar das pessoas que pensavam que estava a dizer. Há muita gente até com ordenados muito bons e que não os merecem. Não são as pessoas que têm as tarefas pesadas, porque não considero que essas ganhem demais.

Pensa que as empresas vão aderir a esta modalidade?

Vai ser uma pequena minoria. As empresas estão neste momento com problemas de mão-de-obra, em que precisam de contratar pessoas e não conseguem. Vê-se perfeitamente que há alguns candidatos que vão às entrevistas para verem o que conseguem encontrar, o que é perfeitamente compreensível.

E em relação à função pública?

Aí ninguém sabe o que se passa. Dá a ideia que em determinados serviços continuam em casa. Por exemplo, no caso das Finanças não se consegue agendar uma reunião para tratar de um assunto. Há muitos serviços essenciais do Estado onde as pessoas ainda não regressaram.

Vê alguma vantagem neste projeto?

Acho que é chique, está na moda e, por isso, também fazemos. No entanto, acredito que a maior parte das pessoas o que prefere é continuar a trabalhar em casa. Há empresas muito grandes onde há organização suficiente para que o possam fazer. Conheço alguns casos que estão nessa fase.

Mas teletrabalho é diferente de reduzir a semana de trabalho para quatro dias por semana…

Mas mesmo com teletrabalho, muitos já trabalham menos horas. Outros até trabalharão mais, não gosto deste sistema.

E isso poderá agravar os problemas de competitividade que são o nosso calcanhar de Aquiles?

Esses problemas estão muito relacionados com a pequeníssima dimensão das empresas e é isso que torna difícil organizar as coisas de forma melhor. Temos um número verdadeiramente absurdo de empresas muito pequenas, o que cria muitas dificuldades porque apresentam produtividades muito baixas. Não acredito que essas empresas adiram a este projeto. E como não é obrigatório, acho que muitas poucas empresas vão aderir. No meu caso, que faço medicamentos, não me passa pela cabeça fechar a fábrica um dia por semana. Não é possível, principalmente neste momento, em que estou com problemas de abastecimento e nem sequer conseguimos fazer aquilo que fazíamos. Estamos a fazer menos e de forma significativa. Há coisas que faltam: os vidros, embalagens de plástico, coisas de alumínio. Depois há falta nos princípios ativos, em que muitos vêm da Índia e da China e está tudo a andar mais devagar. Estes confinamentos na China têm sido terríveis.

Saiu um estudo a dizer que mais de 80% dos portugueses aprova esta ideia de semana de quatro dias…

Claro que aprovam e até gostariam mais que fosse de três dias. E há pessoas com vidas muito complicadas, quando chegam ao trabalho já tiveram de passar por 1h30 de transportes públicos e depois à noite mais 1h30 para regressarem a casa.

Mas há atividades em que não se pode aplicar, como supermercados ou centros comerciais?

Se tivesse um trabalho desses se calhar preferia fazer três dias em 12h e despachava a semana.

E é exequível?

A uma determinada altura a Volkswagen trabalhou assim. O que era preciso era que houvesse mais flexibilidade em todos os aspetos, porque há pessoas que estão interessadas numas coisas e há outras noutras. Não vejo que seja o contrato coletivo ou o Ministério do Trabalho a decidir como vamos fazer. A solução para mim passaria por uma maior liberdade de contratar. Não temos razão para termos horários tão rígidos. Há muita coisa que pode ser diferente e pode ser feito de uma forma mais livre. Querem que as pessoas trabalhem menos horas e ganhem o mesmo do que as pessoas que continuam a trabalhar as mesmas horas? Ninguém vai aceitar isso. Temos a mania de regulamentar, já era assim no tempo de Salazar. Ainda trabalhei ao sábado de manhã que era obrigatório.

Isso implica mexer nos contratos?

Há uns que podem querer e outros não e aí como é se decide, qual é a regra que se segue? Já houve um regime destes no tempo do Governo de António Guterres, mas como tinha uma quebra de vencimento de um quinto, penso eu, para uma semana de quatro dias ninguém quis.

Agora a ideia é manter o mesmo salário…

Mas como isso é possível?

Acha que o Governo já está em campanha?

Isso está sempre. É mesmo a única coisa que o motiva.