Xi e Biden. Um reencontro tenso entre velhos amigos

“Não há necessidade de haver uma nova Guerra Fria”, apelou Biden, após reunir com Xi, com quem se cruzara quando eram vice-presidentes. Já houve avanços no clima e Pequim até criticou Moscovo.

Quando Joe Biden apertou a mão de Xi Jinping, esta segunda-feira, à margem da cimeira dos G20 em Bali, na Indonésia, não era a primeira vez que tentava perscrutar os planos de Pequim. Já o tinha feito em 2011 quando era vice-presidente, sendo encarregue de perceber com que futuro sonhava o seu homólogo chinês, Xi, apontado como sucessor do Presidente Hu Jintao. À época, a relação entre Xi e Biden era amistosa, fez questão de frisar o agora Presidente americano. “Passámos muito tempo juntos”, explicou. “E é ótimo vê-lo. Tivemos uma série de conversas francas e úteis ao longo dos anos”. Contudo, desde então o mundo mudou. A China quer afirmar-se como potência mundial e os EUA não estão a achar piada nenhuma.

Agora, ambas as potências terão de se entender, numa cimeira que durará até quarta-feira. “Não há necessidade de haver uma nova guerra fria”, apelou Biden, após se reunir com o seu velho amigo. É esse o receio de que se fala há anos, mas sobretudo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, contando com ajuda da China para contornar sanções, além de ir buscar armamento ao Irão e Coreia do Norte. Ainda assim, esta cimeira começou com sinais de alguma abertura à reaproximação, tendo Pequim feito uma rara crítica a Moscovo.

Vladimir Putin “não disse a Xi a verdade”, explicou um alto dirigente chinês ao Financial Times, na segunda-feira. Queixando-se que quando o Presidente russo visitou o seu homólogo chinês durante os Jogo Olímpicos de Inverno, em Pequim, em fevereiro, não avisou que estava prestes a invadir os vizinhos. “Se nos tivesse dito, não teríamos ficado numa situação tão constrangedora”, continuou a fonte do jornal britânico. É difícil de acreditar que Xi estivesse de facto às escuras. Mas dado que dirigentes chineses raramente dizem à imprensa ocidental algo que não seja aprovado pela liderança, a crítica poder ser vista como uma tentativa de se distanciar nas vésperas da cimeira dos G20. 

Já o recomeço das conversações climáticas entre os dois países mais poluidores do planeta é um sinal positivo para os mais preocupados com as alterações climáticas. As negociações ficaram congeladas desde agosto, em retaliação pela visita a Taiwan da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi. O entusiasmo foi notório do outro lado do planeta, no Egito, onde milhares de delegados, diplomatas e ativistas continuam reunidos para a COP 27.

“Há países que gostam de se esconder entre os EUA e China”, explicou Bernice Lee, perita em política climática da Chatham House, ao New York Times. O raciocínio de muitos líderes nacionais é simples. “Se os maiores poluidores não estão a trabalhar juntos, não estão a fazer muito, portanto porque é que nós haveriamos de o fazer?”. 

Contudo, as causas para a tensão entre Washington e Pequim continuam lá. Seja a disputa pela supremacia tecnológica – que levou Biden a aplicar restrições ainda mais duras contra a indústria de semicondutores chinesa que as de Donald Trump – ou por Taiwan. Essa é a “primeira linha vermelha”, que não deve ser cruzada, avisou Xi.

“O mundo chegou a uma encruzilhada e precisamos de seguir o rumo certo” explicou o Presidente chinês. E todos esperam “que a China e os Estados Unidos giram adequadamente a relação”. O seu homólogo americano concordou. “Vamos competir vigorosamente, mas não vamos procurar conflitos. Vamos gerir esta competição responsavelmente”, assegurou. 

Seis dias juntos Quando Barack Obama visitou Hu Jintao, no verão de 2011, ambos fizeram questão que os seus vice-presidentes passassem tempo juntos. Washington queria saber mais sobre as ambições de Xi – que continuava a ser um desconhecido, apesar de ser filho da elite do partido, tendo sempre mantido a cabeça baixa enquanto subia na hierarquia – e este passaria seis dias com Biden, entre Pequim e Sichuan, apreciando a gastronomia típica e jogando basquetebol numa escola secundária. 

Se o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês não se poupou nos esforços para encantar os americanos, Biden também, exibindo a sua neta, Naomi, que levou consigo na viagem. 

“Seria mais apropriado dizer que a Naomi é que me trouxe com ela, dado que é uma falante de chinês iniciante, tem tido aulas de chinês há cinco anos”, contou o então vice-presidente, bem disposto, num discurso na universidade de Sichuan. “Estive a ouvi-la a viagem toda”.

São histórias de um outro tempo, em que a tensão não era tão alta. Na altura a esperança era que Xi – filho de Xi Zhongxun, um histórico do partido, companheiro de Mao Tsé-Tung mas alinhado com a ala mais moderada – tivesse uma dinâmica de abertura. No entanto, Biden temeu logo que a avaliação não estivesse correta, relatou Kurt Campbell, um dos diplomatas responsáveis pela viagem, num artigo de opinião na Foreign Policy. “Acho que temos as nossas mãos cheias com este tipo”, avisou o então vice-presidente, contando como Xi se mostrara duro, frio e completamente convencido que o Partido Comunista da China deveria ter mão firme sobre a sociedade.

Aliás, esse bom ambiente entre Washington e Pequim desapareceu uns dois anos depois, pouco após Xi chegar ao poder, quando retribuiu a visita de Biden e Obama. Quando o Presidente chinês se sentou com o seu homólogo americano, num resort em Palm Springs, na Califórnia, ofereceu “um novo tipo de relação entre grandes poderes”, explicando que “o vasto oceano Pacífico tem espaço suficiente tanto para a China como para os EUA”, avançara a Nikkei. Obama não só recusou esta espécie de Tratado de Tordesilhas, como ainda anunciou o seu famoso “pivot Ásia-Pacífico”, prometendo ter esta região como foco da política externa americana. E iniciando a corrida entre potências que Biden e Xi agora tentam evitar transformar numa guerra.