Um país de cobardes, de bufos e de pides

Mas, se foi tão grave, por que razão Carlos Costa esperou anos para o denunciar? E deixou passar incólume nas audições parlamentares em que tantas vezes foi confrontado com as falhas do supervisor? Se não é grave, então por que motivo António Costa reagiu tão intempestivamente  e tão irritado a uma passagem do livro a…

O Presidente chinês, Xi Jinping, reencontrou o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, nesta quarta-feira na cimeira do G20 e imediatamente aproveitou a ocasião para o confrontar com o facto de a conversa entre ambos, na véspera, ter aparecido reproduzida (e, frisou, ainda por cima mal) em jornais de reputação internacional.

O diálogo, captado pela câmara do repórter de imagem que estava no sítio certo à hora certa, é exemplar.

Xi Jinping, com voz firme, expressão distendida e olhando diretamente nos olhos de Trudeau, diz-lhe: «Tudo o que falámos transpirou para os jornais, não é apropriado. E não foi assim que a conversa decorreu. Se há sinceridade da vossa parte, podemos comunicar bem, com respeito mútuo. Caso contrário, não será fácil prever o desfecho…».

Trudeau, com a cabeça ligeiramente inclinada e sem conseguir fixar os olhos nos do seu interlocutor, mas bem sabendo da presença do jornalista a filmar a cena, responde com indisfarçável embaraço mas com elevação: «No Canadá, acreditamos num diálogo aberto e franco, e será o que continuaremos a manter. Continuaremos a procurar trabalhar juntos de forma construtiva, mas haverá coisas em que estaremos em desacordo».

Ao que Xi Jinping, antes de lhe estender a mão para um cordial cumprimento de despedida, sentencia, agora com expressão grave: «Pois, mas primeiro é preciso criar as condições».

Xi Jinping é um ditador acabado de ser reeleito secretário-geral do Partido Comunista Chinês para um terceiro mandato, como já não acontecia desde o sanguinário Mao.

Trudeau é um democrata da nova geração de políticos do Partido Liberal do Canadá, que em 2015 se tornou no segundo mais jovem primeiro-ministro canadiano.

Professor de profissão, desta vez foi Trudeau quem levou uma lição de sentido de Estado e de respeito e lealdade institucional que têm de presidir ao relacionamento seja entre líderes de dois países soberanos, entre altos representantes ou dirigentes de instituições, para estas eleitos ou nomeados, ou, simplesmente, entre pessoas de bem.

Esta conversa entre Xi Jinping e Justin Trudeau na Indonésia coincidiu no tempo com a troca de acusações, em Portugal, entre o primeiro-ministro António Costa e o ex- governador do Banco de Portugal Carlos Costa, numa guerra que tem o atual governador e ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, como terceiro ator principal.

O que está em causa, a ser verdade o que Carlos Costa sugere no livro de Luís Rosa, é muito grave. Nomeadamente, como observou Marques Mendes, o processo que terminou com a venda do Banif ao Santander por um preço lesivo do interesse nacional.

Mas, se foi tão grave, por que razão Carlos Costa esperou anos para o denunciar? E deixou passar incólume nas audições parlamentares em que tantas vezes foi confrontado com as falhas do supervisor?

Se não é grave, então por que motivo António Costa reagiu tão intempestivamente  e tão irritado a uma passagem do livro a que podia simplesmente ter respondido que não tinha a mesma leitura dos factos?

E quais serão as histórias do livro que António Costa considera lesivas do seu bom nome e reputação?

E Mário Centeno? O atual governador responde com indiretas ao seu antecessor, acusando-o de procurar reescrever a história com ‘factos censurados’?

Tratando-se do primeiro-ministro, do atual governador e de um ex-governador do Banco de Portugal, não se pode ficar  pelas meias verdades. Tem de se apurar as responsabilidades de cada um. E de forma célere.

Nem que venha a concluir-se que, afinal, tudo pode não ter passado de meras querelas pessoais.

Chega, por isso, de insinuações e indiretas e outras cobardias e peguem-se os bois pelos cornos.

Ainda que neste país de tão corajosos toureiros não seja bem esse o costume.

Pelo contrário, como também ficámos a saber é um país onde agentes e militares das forças policiais e de segurança se escondem atrás das fardas e das armas e em grupos fechados nas redes sociais para destilarem ódios e discursos racistas.

E um país onde se elogia a denúncia por um grupo de jornalistas e hackers que agem na sombra e se refugiam num consórcio assumidamente criado para repartir riscos, patrocinado pela extrema-esquerda para perseguir a extrema-direita.

Enfim, um hino à cobardia, num país de bufos e de pides em que os direitos, liberdades e garantias se propalam cada vez mais só da boca para fora.

Porque vale seja o que for para acusar, denunciar, bufar, a coberto da prestação de contas ou do que chamam de jornalismo de investigação.

E quando os piores exemplos vêm das cúpulas (como titulares de órgãos de soberania e de supervisão), das autoridades (como agentes da PSP ou militares da GNR) e de quem (como jornalistas) tem por obrigação escrutiná-los de forma livre e isenta… mal, muito mal vai esta democracia.