A polémica entre António Costa e Carlos Costa não é bonita. Embora ainda não seja claro quem tem razão, uma coisa já é certa: um deles está a mentir.
Ora, tratando-se de um primeiro-ministro e de um ex-governador do Banco de Portugal, só isso já é suficientemente grave.
A piorar as coisas, este caso surge numa altura carregada de suspeições e acusações a alto nível.
De facto, poucos dias antes demitira-se o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Alves, por alegadas irregularidades praticadas quando era presidente da Câmara de Caminha, após sucessivas explicações da sua parte que roçaram o patético.
E ainda os ecos desta história não se tinham extinto e já eram anunciadas investigações ao ministro das Finanças, Fernando Medina, no tempo em que liderava a Câmara de Lisboa, por ajustes diretos a um escritório de advogados do ex-ministro Pedro Siza Vieira – em que também estão sob suspeita o atual ministro Duarte Cordeiro e a ex-ministra Graça Fonseca.
E esta cena trazia à memória a insólita contratação, pelo mesmo Medina, do ex-jornalista Sérgio Figueiredo para assessor do Ministério das Finanças, ocorrida há poucos meses e que acabou por fracassar.
Os casos obscuros têm vindo a repetir-se com uma cadência alarmante.
Foram os subsídios a uma empresa do marido da ministra Ana Abrunhosa, concedidos quando esta era a responsável da CCDR Centro, e superintendia exatamente aos subsídios.
Foram as subvenções atribuídas a uma empresa do marido da ministra Elvira Fortunato, em circunstâncias duvidosas.
Foi uma trapalhada protagonizada pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que não dissolveu uma empresa de que era sócio-gerente, caindo em situação de incompatibilidade.
E antes haviam sido os subsídios atribuídos a uma empresa do pai do ministro Pedro Nuno Santos.
Nunca pensei que os governantes e seus familiares tivessem interesses em tantas empresas, constituídas provavelmente com o principal fim de angariarem subsídios do Estado e da União Europeia…
Mas o episódio talvez mais grave, do meu ponto de vista, foi a contratação pela ministra Mariana Vieira da Silva, para seu assessor, de um jovem militante da JS, de 21 anos, que nem sequer tem a antiga licenciatura, com um ordenado superior ao de professor catedrático.
A ministra disse que tudo estava «de acordo com as normas», não se apercebendo de que praticara um ato de extrema imoralidade.
Mariana Vieira da Silva achava natural nomear um jovem militante do seu partido, sem currículo nem experiência profissional, para um lugar em que passava por cima de quase toda a administração pública, menorizando (ou até humilhando) grande parte dos servidores do Estado.
Perante estes sucessivos episódios, pensei: «O Governo está podre».
Mas, pela mesma altura em que tudo isto acontecia, demitia-se o dirigente do PSD Rodrigo Gonçalves, por supostas irregularidades envolvendo a Câmara de Oeiras, liderada por Isaltino Morais.
E eram anunciadas buscas ao presidente do FC Porto, Pinto da Costa, por suspeitas de ter usado dinheiro do clube em proveito pessoal.
E aí fui levado a ir mais longe e a concluir: «O país está podre».
A que se deverá esta situação? Por um lado, não há que ignorá-lo, à nossa índole.
Num país nórdico, estes arranjismos, estes amiguismos, estas imoralidades, esta corrupção não seriam possíveis.
Nós, latinos, somos mais atreitos à subversão das regras.
Mas a nossa índole, explicando muito, não explica tudo.
A corrupção também resulta do gigantismo do Estado, da quantidade de pessoas dependentes dele, da dependência do país em relação à administração pública.
E, acrescente-se, da natureza do Partido Socialista.
Dentro da administração central e das câmaras municipais, e à volta delas, há uma imensa massa de gente que se acotovela para sobreviver e vencer na vida.
A maioria é honesta.
Mas nem todos.
E qual é o partido que está há mais tempo no poder, ou que, mesmo fora do poder, tem sobre ele uma grande influência?
O Partido Socialista.
Não é pois de espantar que a ele se encostem os mais videirinhos, os mais ambiciosos, os mais carreiristas.
O PS não é mais impuro do que os outros; só que, historicamente, é o partido mais ligado ao funcionalismo público e à pequena e média burguesia urbana.
As circunstâncias fizeram dele, pois, o mais exposto ao compadrio e, no limite, à corrupção.
Aquele em que apostam os interesses obscuros.
Daí a grande osmose entre o PS e a corrupção.
Mas, sendo o Partido Socialista o partido maioritário no Parlamento, o partido com mais presidentes de Câmara, com mais presidentes de juntas de freguesia, com mais presidentes de empresas públicas, com mais gente colocada em lugares de topo, isso trouxe ao país um grave problema.
A degradação do Estado alastrou à sociedade, atingindo hoje praticamente todo o sistema.
O exemplo de Mariana Vieira da Silva, uma ministra com cara de anjo, é eloquente sobre o tempo que vivemos: nem teve sequer consciência da imoralidade que praticou.
Não é preciso dizer mais nada.
O poder e o país estão irremediavelmente podres.