A comédia do aeroporto

António Costa devia ter a seu lado um homem que gostasse de concretizar, um Duarte Pacheco ou Ferreira do Amaral desta época, que o entusiasmasse a não ter apenas por objetivo gerir o poder mas sim utilizá-lo para fazer obra.

As peripécias à volta da localização do novo aeroporto de Lisboa podiam ser o tema de uma revista à portuguesa do velho Parque Mayer.

Trata-se de uma novela iniciada há mais 50 anos, no tempo de Marcello Caetano, que em 1969 avançou com o local de um novo aeroporto para servir a capital: Rio Frio.

Mas entretanto veio o 25 de Abril e, como é natural, tudo o que tinha sido feito no tempo da outra senhora foi declarado mal feito – e deitado para o lixo.

Depois de muitos estudos, foi escolhida a Ota, no tempo do Governo de António Guterres.

Insinuou-se, então, que alguns socialistas tinham interesses na região e que até Mário Soares – imagine-se – lá comprara uns terrenos na expectativa de serem valorizados.

Por isto e por aquilo, no consulado de José Sócrates a Ota acabou por cair.

Aventou-se então a Margem Sul, mas o ministro das Obras Públicas na altura, Mário Lino, disse terminantemente: «Jamais!».

Não seria, porém, suficientemente ouvido, pois após uns estudos rápidos a escolha de Sócrates recairia sobre Alcochete.

Protestaram os ambientalistas, considerou-se um luxo construir um aeroporto de raiz num tempo de vacas magras, e o Governo de Passos Coelho acabou com naturalidade por deixar cair Alcochete, optando por uma solução mais barata: ‘Portela+1’.

Ou seja: a Portela mantinha-se em funcionamento e aproveitava-se uma pista já existente (Sintra, Alverca ou Montijo) para o complementar.

Parecia razoável.

A preferência foi para a base militar do Montijo e a decisão foi tomada.

O Governo de António Costa, apesar de ter revertido muita coisa, assumiu-a – e tudo parecia pronto a avançar.

Eis senão quando surgem uns presidentes de Câmara a dizer que tinham de dar a sua concordância, e o processo empancou outra vez.

Passaram anos, sem que nada acontecesse.

Até que o ministro Pedro Nuno Santos, com a sua reconhecida determinação, decidiu partir a louça e anunciar a escolha definitiva do Montijo – num momento em que o primeiro-ministro estava fora do país.

Nova bronca.

António Costa irritou-se, Pedro Nuno Santos pediu-lhe desculpa e penitenciou-se perante o país – e tudo voltou para trás.

De qualquer modo, ficou a ideia de que a decisão, agora, iria ser rápida.

Puro engano.

Inesperadamente, António Costa veio anunciar a formação de uma comissão para estudar a localização do novo aeroporto.

E já não estavam em cima da mesa apenas os locais que haviam sido ponderados ao longo de 50 anos através de trabalhosos estudos: estava tudo em aberto.

A comissão podia propor o local que quisesse.

Agora veio a lume a composição da comissão.

Que afinal não é uma comissão – são duas.

Há uma ‘Comissão Técnica’, liderada por uma senhora, Rosário Partidário, que coordena seis técnicos que por sua vez coordenam seis equipas. No total, isto corresponderá a umas dezenas de pessoas.

E depois há uma segunda comissão, chamada ‘Comissão de Acompanhamento’, composta por 25 elementos – que deve ser ampliada sem limite de número.

E esta gente toda terá de estudar 5 localizações, que podem ser mais, pois aqui também não há limites.

Dir-se-á que estou a brincar, mas não estou: o leitor pode confirmar tudo o que acabei de escrever.

Voltamos, pois, à estaca zero – ou, melhor dizendo, ‘abaixo de zero’.

Recuámos a um momento anterior àquele em que os estudos arrancaram no tempo de Marcello Caetano.

E isto porque, na altura, a equipa era mais simples e a decisão política era mais fácil.

A comédia da localização do novo aeroporto é um sinal da completa impotência realizadora deste regime.

O único período em que se conseguiu fazer alguma coisa foi no tempo de Cavaco Silva.

É certo que depois houve a Expo; mas a Expo foi toda planeada no tempo de Cavaco.

Esta história também revela a nulidade de António Costa como fazedor.

António Costa é tão hábil na manobra política quanto incapaz de fazer obra.

Há quem argumente que na Câmara de Lisboa concretizou alguns projetos.

É verdade; mas aí tinha como braço-direito Manuel Salgado, que é arquiteto e gosta de concretizar.

No Governo, rodeado de advogados e economistas, não consegue fazer nada: nem reformas nem obras.

Consegue apenas gerir o dia-a-dia para continuar no poder.

Esta semana, falando no Parlamento sobre António Costa Silva, o primeiro-ministro dizia que ele teve a coragem de passar da escrita de livros para ter de fazer coisas – e isso é que «é difícil».

Tinha toda a razão.

Para o seu Governo, fazer coisas tem-se revelado dificílimo ou mesmo impossível.

Em vez de nomear mais um doutor para coordenar o Executivo, em substituição do que se demitiu, António Costa devia ter escolhido alguém com outro perfil.

António Costa devia ter a seu lado um homem que gostasse de concretizar, um Duarte Pacheco ou Ferreira do Amaral desta época, que o entusiasmasse a não ter apenas por objetivo gerir o poder mas sim utilizá-lo para fazer obra.