Costa reforça controlo sobre PRR

Mendonça Mendes é promovido a Adjunto para auxiliar Mariana Vieira da Silva na coordenação dos fundos da ‘bazuca’ com a bagagem que transporta das Finanças.

Em oito meses, o Governo de António Costa já soma sete demissões. Após tomarem posse em março, Marta Temido, António Lacerda Sales, Maria de Fátima Fonseca, Sara Guerreiro, Miguel Alves e, agora, João Neves e Rita Marques não resistiram sequer um ano apesar da maioria absoluta PS.

A primeira baixa foi logo em maio, quando Sara Guerreiro, secretária de Estado para a Igualdade e Migrações, se demitiu um mês depois de assumir o cargo, por motivos de saúde. Para o seu lugar foi nomeada Isabel Almeida Rodrigues, que até então era deputada do PS pelo círculo eleitoral dos Açores.

Já no final do verão, na sequência do fecho de várias urgências hospitalares, foi a vez de Marta Temido, ministra da Saúde desde 2018, apresentar a demissão ao primeiro-ministro, por entender que já não tinha condições para continuar no cargo. Com a governante, saíram os secretários de Estado que compunham a sua equipa: António Lacerda Sales e Maria de Fátima Fonseca. À frente do Ministério ficou Manuel Pizarro, nomeando Ricardo Mestre para secretário de Estado da Saúde e delegando em Margarida Tavares a tutela da Promoção da Saúde.

Por esta altura, quando já se acumulavam várias falhas de comunicação no Executivo, António Costa acabou por nomear Miguel Alves como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, um cargo que não existia na orgânica original deste Governo. Contudo, o antigo presidente da Câmara de Caminha aguentou-se apenas dois meses no cargo, tendo acabado por se demitir, no passado dia 10, após ser acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação.

Mas a turbulência no Executivo aumentou com as demissões de João Neves, secretário de Estado da Economia, e Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços. Já com o processo orçamental arrumado, o primeiro-ministro entendeu que esta era a altura indicada para fazer uma pequena remodelação no Governo e fez seis nomeações de uma assentada.

A grande novidade prende-se com António Mendonça Mendes, que foi promovido a secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, abandonando assim os Assuntos Fiscais. Será essa bagagem que transporta, em tempos de urgência no crescimento que exigem a capacidade de atrair negócios e investimentos, mas também de necessidade de aceleração do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que terá motivado a opção de António Costa por um coordenador económico-financeiro, muito mais do que por um  coordenador político. 

Mendonça Mendes terá, assim, a tarefa de auxiliar Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência,  na execução do PRR e na coordenação política dos fundos europeus.

A escolha também vem novamente reforçar a coordenação política do Governo com figuras de peso do aparelho do socialista. No início de novembro, Mendonça Mendes foi reeleito presidente da federação do PS de Setúbal.

Com esta mexida passa também a existir de novo uma ligação familiar no Conselho de Ministros, contrariando uma regra informal que Costa impôs em 2019, na sequência do desgaste provocado pelo caso familygate. A partir de sexta-feira, António Mendonça Mendes terá assento no centro nevrálgico do Executivo, onde também está a irmã, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes. Os socialistas contrapõem que o secretário de Estado Adjunto do PM não tem direito de voto em Conselho de Ministros, tal como o secretário de Estado da Presidência, pelo que a questão deve ser relativizada.

De resto, a saída de Mendonça Mendes do Ministério das Finanças obrigou a uma dança de cadeiras na tutela de Fernando Medina: para o cargo de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tomou posse Nuno Félix, até aqui subdiretor-geral para a relação com os contribuintes na Autoridade Tributária e Aduaneira e que já tinha sido chefe de gabinete de Mendonça Mendes; Alexandra Vieira Reis passou a secretária de Estado do Tesouro, cargo de onde saiu João Nuno Mendes, que entrou para secretário de Estado das Finanças, uma secretaria de Estado que não existia na atual orgânica do Governo. 

Já na Economia, tomaram posse Pedro Cilínio como secretário de Estado da Economia, que até agora era diretor de Investimento para a Inovação e Competitividade Empresarial do IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação), e o deputado socialista Nuno Fazenda como secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços. 
Na origem da demissão de João Neves e Rita Marques terão estado «divergências de fundo» com o ministro da Economia, António Costa Silva.

Apesar de não ter sido dada ainda uma explicação oficial, os dois secretários de Estado do ministro da Economia tinham desautorizado publicamente Costa Silva. Em causa estão as declarações do tutelar da pasta de Economia e do Mar sobre uma eventual «descida transversal do IRC». Dias depois de ter afirmado que «seria extremamente benéfico» o Governo avançar com uma «redução transversal do IRC», João Neves atravessou-se contra Costa Silva.

«Dizer que vamos agir em IRC para resolver um problema de curtíssimo prazo é um erro», afirmou. Também Rita Marques declarou que «a primeira e última palavra» de decisão acerca de uma eventual descida da taxa de IRC caberia ao primeiro-ministro. A demissão de Rita Marques  poderá ter sido também uma forma de acautelar novas polémicas no seio do Governo, já que a até aqui secretária de Estado do Turismo foi também acusada de «usurpação de poderes» pelo Tribunal Arbitral, num conflito entre a empresa Pauta de Flores e o clube de futebol Salgueiros, devido ao fim do consórcio que explorava a concessão do Bingo da Trindade, no Porto.

Os desentendimentos entre secretários de Estado e respetivos ministros não são uma novidade. Mas desta vez, António Costa Silva, independente que tinha vindo a ser isolado politicamente neste Executivo, viu António Costa a reforçar-lhe a autoridade política depois de varrer os secretários de Estado que o tinham contrariado.

Se só uma liderança partilhada entre ministro e secretários de Estado pode afastar divergências graves, neste caso foi precisamente a disputa de liderança sobre a orientação das políticas públicas sob uma mesma tutela que levou ao clima de desconforto no Ministério da Economia. Apesar de Costa Silva assumir uma posição de ministro coordenador entre os vários ministérios encarregues da execução dos fundos europeus setoriais (como da Coesão Territorial e do Ambiente), João Neves e Rita Marques estariam em desarticulação e eram eles também quase coordenadores.