Por que sou a favor da eutanásia… e do referendo

Há uma grande hipocrisia do PS em não querer fazer o referendo, já que não estava no seu programa eleitoral e que, à semelhança do aborto, o povo tem direito a pronunciar-se sobre uma questão tão fraturante. Ainda para mais a eutanásia tem servido para o PS tentar encostar o PSD ao Chega, numa atitude totalmente…

Os hospitais são lugares que me são muito familiares, por várias razões. Em miúdo, era cliente assíduo, e já em adulto frequentava-os muito por causa da minha mãe. Foram muitos anos e muitas noites nos serviços de urgência onde vi coisas que me emocionaram muito. Vi gente ligada a máquinas sem qualquer esperança de vida, esperando apenas pela hora da morte. Vi gente ficar com chagas por estar há tanto tempo presa à cama… e vi a minha mãe, a maior lutadora que conheci na vida. Queria tanto viver que se agarrava a tudo o que podia para continuar a respirar: fosse os medicamentos, a homeopatia ou a fé, na Igreja ou na família. Um cancro no pulmão, com metástases, obrigou-nos a uma luta incansável. Muitas noites fomos para as urgências, onde, naquilo a que chamo o corredor da morte, encontrava pessoas num estado terminal, mas que iam resistindo com a ajuda de máquinas.

A minha mãe, pessoa profundamente católica, pedia-me muitas vezes para parar no Campo dos Mártires da Pátria, quando íamos dos Capuchos para São José, para acender uma vela a um homem que ela considerava santo, o dr. Sousa Martins. Achava que ele lhe dava vida e mesmo sem poder, arrastando-se com a ajuda das canadianas – odiava que eu dissesse muletas –, lá ia colocar a vela, ao mesmo tempo que rezava. «Ele vai ajudar-me», dizia. Durante sete anos, com a ajuda de uma médica amiga, é certo, e com um batalhão de produtos homeopáticos, foi tendo uma vida mais ou menos aceitável. A dor para ela era algo normal e só se queixava mesmo quando estava muito mal.

Enquanto vivíamos este problema, uma irmã também foi ‘apanhada’ pelo ‘bicho’, um cancro que avançou a uma velocidade incrível. A minha irmã sofreu horrores até ser internada numa unidade de cuidados paliativos, mas já lá vamos. Tudo isto se foi desenrolando, até que a minha mãe deixou de ver a filha e começou a questionar-me por que razão não a podia ver, ao que eu dizia que ela estava fora, fosse lá isso o que fosse.

Quando fez anos, a 24 de janeiro, a minha mãe, avisou-me: «Quero ir ver a tua irmã, onde ela estiver e como estiver». Como é óbvio, não consegui dizer que não e lá a levei ao centro de cuidados paliativos onde a minha irmã só resistia à base de morfina. Entrámos, a minha mãe sentou-se, depois de lhe dar um beijo, sem ter qualquer resposta, e ali ficámos durante uma hora. Finda a qual a minha mãe me pediu para irmos embora. Quando me despedi, com um beijo na testa, a minha irmã abriu os olhos. No dia seguinte recebemos a notícia de que tinha morrido. Há médicos que acreditam que há muitos casos assim, de pessoas que estão à espera de se despedirem da mãe para partirem.

A partir dessa data a minha mãe começou a ficar pior, acabando por ser internada várias vezes, até que em abril ficou no São José, onde era já só pele e ossos. Nos últimos dois dias sofreu muito e não resisti a ir acender uma vela ao dr. Sousa Martins, implorando-lhe que se realmente tivesse poderes que a curasse ou que a levasse, pois não aguentava vê-la sofrer daquela maneira.

Dois dias depois fechava os olhos pela última vez. Sei que a minha mãe jamais aceitaria que lhe dessem algo para morrer em tranquilidade, nem eu tão pouco o conseguiria. Mas é por estas razões todas que descrevi – o que vi nos hospitais – que sou a favor da eutanásia. Mas isso não me impede de dizer que há uma grande hipocrisia do PS em não querer fazer o referendo, já que não estava no seu programa eleitoral e que, à semelhança do aborto, o povo tem direito a pronunciar-se sobre uma questão tão fraturante. Ainda para mais a eutanásia tem servido para o PS tentar encostar o PSD ao Chega, numa atitude totalmente demagógica. Se querem dar gás ao Chega que o façam, mas usem outros argumentos.

vitor.rainho@sol.pt