Harry e Meghan. Terão os duques de Sussex passado de vítimas a vilões?

Desde que começaram a revelar os segredos mais obscuros da família real britânica que o mundo se tem dividido: serão eles as vítimas ou os vilões nesta história? ‘Harry e Meghan’, estreou na Netflix na semana passada, já abalou o Reino Unido e há mesmo quem defenda a retirada dos títulos dos duques de Sussex. 

Ouvimos muitas vezes que “ninguém vê aquilo que acontece por trás de portas fechadas”. A verdade é que cada família tem os seus problemas e desavenças e, muitas vezes, acaba por disfarçá-las para manter as aparências para outros familiares ou amigos. A família real britânica não é exceção com o mundo todo a observá-la. Porém, ao contrário daquilo que se esperaria – e não é novidade para ninguém –, para alguns membros, as aparências já não são um problema.

Numa altura em que ainda vivem um momento de luto pela morte da matriarca da família, Isabel II, que morreu aos 96 anos no dia 8 de setembro, o príncipe Harry e a princesa Meghan continuam a colocar a nu os segredos mais obscuros da realeza, mesmo que não existam provas daquilo que é verdade ou mentira.

“Ninguém sabe toda a verdade. Só nós sabemos”, afirmam os duques de Sussex na nova minissérie da Netflix, intitulada Harry & Meghan, que, além de já ter quebrado inúmeros recordes na plataforma de streaming, tem, segundo alguns, transformado o casal em ‘personas non gratas’ no Reino Unido – a produção conta o começo da relação do príncipe Harry e de Meghan Markle e os motivos que os levaram a abandonar a família britânica, como a pressão da família, a intrusão dos media e o racismo.

 

Três primeiros episódios

Dividida em seis partes, realizada por Liz Garbus, duas vezes indicada ao Óscar e vencedora de um Emmy, a série em documentário promete analisar “desde os primeiros dias do namoro do casal até os desafios e controvérsias que os levaram a se sentirem forçados a se afastar das suas funções em tempo integral na Instituição“. Factos que, tal como é revelado, “os membros da família real não quiseram comentar”. Fontes do palácio real, citadas pelo jornal Daily Mail, asseguraram no fim de semana que os monarcas estão “um pouco fartos” dos constantes ataques.

Apesar desse silêncio, o resultado do acordo entre Harry e Meghan com a Netflix é avaliado em cerca de 100 milhões de dólares (94 milhões de euros) e, os primeiros três episódios já foram disponibilizados na plataforma de streaming, quebrando recordes: os números das primeiras 24 horas dizem que é a estreia mais vista de sempre da plataforma, superando a série The Crown que conta a história do reinado de Isabel II, que já está na quinta temporada e que gerou 1,1 milhões de streams no dia da sua estreia no mês passado. Segundo o Deadline, o segundo episódio teve 1,5 milhões de streams, enquanto o terceiro conseguiu 800 mil.

“Não tínhamos permissão para contar a nossa história porque eles não queriam”, afirma a ex-atriz americana, de 41 anos, num dos três primeiros episódios da série. Ambos explicam como todas as suas declarações e comportamentos, desde a primeira entrevista conjunta em 27 de novembro de 2017, após o anúncio do noivado, foram “um reality show orquestrado” pelo palácio.

Os episódios disponibilizados até agora contam a história de amor entre o príncipe e a atriz, até à véspera do seu casamento, em maio de 2018, com detalhes que nos transportam até um filme romântico e moderno de Hollywood. Por exemplo, segundo Harry e Meghan, o casal conheceu-se no Instagram: “Estava a ver o meu feed e uma amiga minha tinha publicado um vídeo delas as duas, tipo um Snapchat, e pensei: ‘Quem é esta?’”, começa por explicar o príncipe. Segundo o mesmo, essa amiga acabou por enviar um email a Meghan, onde escreveu que “tinha um amigo que ela ia gostar de conhecer”. Ao perguntar quem era esse amigo e ouvindo o nome “Príncipe Haz”, Meghan não o reconheceu. Por isso, resolveu explorar o seu Instagram, percebendo que Harry era um apaixonado pela natureza, passando muito tempo em África. Os dois trocaram contactos, marcando tempos mais tarde, em Londres, um primeiro encontro. De acordo com o casal, Harry chegou atrasado “por causa do trânsito”: “Ele era tão divertido. Uma lufada de ar fresco. Parecíamos duas crianças juntas”, confessa a duquesa. No dia seguinte, acabaram por jantar no mesmo lugar em que se haviam encontrado e foi nesse momento que Harry percebeu que estava diante da mulher “que sempre procurou”.

 

Desconforto na família real

No princípio, Meghan causou boa impressão na família real. Segundo Harry, a família ficou até impressionada quando conheceu a duquesa. Ainda assim, não acreditaram na longevidade da relação por Meghan ser atriz. “Para muita gente na minha família, principalmente os homens, pode haver a tentação, ou um desejo, de casar com alguém que encaixe no molde, em vez de ser com alguém com quem estamos destinados a estar. É a diferença entre tomar decisões com a cabeça ou com o coração. A minha mãe decidia quase tudo, se não tudo, com o coração. E eu saio a ela”, sublinhou, reconhecendo semelhanças entre Meghan e a princesa Diana: “Tem a mesma compaixão, a mesma empatia, a mesma confiança. Ela é muito afetuosa. Aceito que há pessoas em todo o mundo que não concordam nada com o que eu fiz e como o fiz, mas sabia que tinha que fazer tudo o que pudesse para proteger a minha família. Sobretudo após o que aconteceu com a minha mãe. Não queria que a história se repetisse”. E, por isso, durante algum tempo, manteve o seu amor em secretismo e à distância, através de videochamadas.

Além disso, Harry critica o assédio dos paparazzi, recordando aquela que foi uma infância marcada pelo luto e pela perseguição dos media, “responsáveis pela morte da sua mãe”. São recordados ainda os comentários dos meios de comunicação sobre as origens raciais de Meghan. Aqui, os produtores optaram por incluir segmentos de contexto histórico do país e da exploração das suas ex-colónias.

Nesta primeira parte da minissérie, Meghan adianta ainda o choque que teve com a formalidade que a família real mantém mesmo em momentos de intimidade. “Quando o William e a Kate vieram jantar e eu a conheci, lembro-me que eu tinha calças de ganga rasgadas e estava descalça. Sempre dei muitos abraços e não sabia que isso era chocante para muitos britânicos. Comecei a perceber muito depressa que a formalidade do exterior da família real não desaparecia no interior. Há uma forma de ser muito rígida”, revela a duquesa.

Relativamente à sua própria família, a ex-atriz admite o impacto negativo das histórias que alguns dos seus familiares começaram a contar à imprensa. Meghan afirma que nunca teve uma relação próxima com a meia-irmã (filha do pai), Samantha Markle, mas que se dava muito bem com a filha desta, Ashleigh. Apesar da sua proximidade, não pôde ser convidada para o casamento devido ao que a mãe contava à imprensa. Além disso, o facto do seu pai “encenar fotografias e ser pago por isso, pela comunicação social”, foi um choque, tanto para si como para Harry. Na produção da Netflix, a duquesa garante que, nessa altura, tentou de tudo para conseguir falar com o pai. Porém, não obteve resposta até hoje e não teve a presença do pai no casamento.

Numa posição contrária ao pai – que desapareceu da vida de Meghan –, Samantha Markle já tem sido uma presença assídua em vários programas de televisão, defendendo que Harry & Meghan é “ridículo” e está “na fronteira com a comédia”. A meia irmã da duquesa critica o par por continuar a “impingir uma narrativa” cujas “mentiras foram desmascaradas”, tal como afirmou no programa Sunrise do canal Channel Seven.

Na série, a ex-atriz conta que que não convidou a sobrinha para o seu casamento por “recomendação do palácio”. Contudo, a meia irmã desmente as declarações: “Uma fonte informada próxima da realeza disse-me que a decisão era de Meghan, por isso ela mentiu à minha filha, o que fez com que esta ficasse rancorosa comigo”, lamentou. No canal GB News, Samantha falou ainda sobre a hospitalização do pai depois de ter um ataque cardíaco e sobre a troca de mensagens com Meghan depois desta ter começado a suspeitar que este colaborava com os tabloides britânicos. “É mentira atrás de mentira, atrás de mentira”, assegurou.

 

Os maus da fita

Além disso, não foi preciso muito tempo para o casal começar a ser acusado de estar “a aproveitar-se da popularidade que ambos alcançaram para lucrar monetariamente”, coisa que, segundo alguns especialistas da realeza, vai contra aquilo que ambos defenderam “quando decidiram deixar de fazer parte do núcleo sénior da realeza”, havendo mesmo quem defenda que lhes devem ser retirados os títulos.

Segundo o The New York Times, numa entrevista recente com a realizadora Liz Garbus, a representante de Harry e Meghan, Ashley Hansen, respondeu às críticas de que a “decisão do casal de desistir dos seus deveres reais significava que queriam levar uma vida mais privada”. Hansen explicou que “o duque e a duquesa de Sussex nunca alegaram privacidade como a razão para se afastarem da realeza” e que o casal e os seus representantes alegam que “esta narrativa distorcida tem como intenção mantê-los em silêncio”.

Segundo o jornal americano, o comunicado lançado em 2020 e que anunciava o afastamento do príncipe Harry e da sua esposa da realeza, não diz concretamente que “é um desejo de ambos afastarem-se da vida pública”.

“Eles estão a escolher partilhar a sua história, à sua maneira, e mesmo assim os tabloides criaram uma narrativa inteiramente falsa que se infiltrou na cobertura mediática e na opinião pública”, lamentaram, por fim, os responsáveis pela Archwell – projeto de solidariedade criado por Harry e Meghan.

 Mas nem isso fez com que as críticas diminuíssem. Na noite de quinta-feira, por exemplo, o ministro do Trabalho britânico classificou os Sussex como “absolutamente irrelevantes para o país, o seu progresso e a família real”. Numa conversa no programa de televisão Question Time, na BBC, Guy Opperman revelou que se recusaria a ver a série, apelando ainda para que “toda a gente boicotasse a Netflix“.

Já Tim Loughton, membro do Parlamento de East Worthing e Shoreham, pertencente ao distrito eleitoral de Sussex, defendeu que os títulos de duques do condado lhes deveriam ser retirados: “Como membro do Parlamento de uma circunscrição eleitoral de Sussex e tendo nascido em Sussex e vivido aqui toda a minha vida… está na altura de retirar os títulos a quem claramente não tem qualquer respeito“, escreveu no Twitter.

Segundo o The Mirror, “vários membros da família” acreditam que os duques se lançaram num “caminho sem retorno” e, por isso, que não deverão ser convidados para passar o Natal em Sandringham.

Para o especialista real e jornalista Tom Bower, autor do novo livro Revenge: Meghan, Harry, and the War Between the Windsors, lançado em outubro, o casal poderá mesmo vir a tornar-se em personas non gratas no Reino Unido por conta de muitos relatos “sem provas”: “Não acredito que eles sejam bem-vindos. Acho que o Harry nunca mais será bem-vindo à Inglaterra”, disse o jornalista à coluna Page Six do jornal The New York Post. O escritor, que diz ter várias fontes próximas do Rei Carlos III, acrescentou ainda que os Sussex provavelmente não estarão na lista de convidados para a coroação do Rei, que acontecerá em maio do próximo ano. “O duque de Sussex tornou-se um estranho e a duquesa de Sussex distanciou-se igualmente do resto da família real britânica. Eu acho que ele está apenas a querer isolar-se de tudo”, sublinhou, observando ainda que o pai de Harry “odeia confrontos”, por isso, que “não está claro o que acontecerá quando a coroação acontecer”.

Porém, o especialista não tem dúvidas que o relacionamento entre pai e filho está “seriamente prejudicado”, acreditando que qualquer tentativa de Harry fazer as pazes com os membros da sua família “não será fácil”.

Relativamente à meia irmã de Meghan, Bower acredita que esta procura “fama e dinheiro”: “A sua tentativa de reconciliação é uma tentativa de fazê-los modificar o que disseram à Netflix e aquilo que o livro tem escrito. A razão é simplesmente que a Markle está determinada a encontrar um lugar de fama e de fazer fortuna. Ela não se importa com a realeza e a família”, afirmou Bower. À Page Six, assegurou ainda que a realeza “está chocada com tudo isto”.

“A questão é apenas se eles vão fazer uma entrevista para refutar as alegações, ou se lhes vão tirar os títulos…”, afirmou, sublinhando mais uma vez a pouca probabilidade da família fazer as pazes, mesmo depois da morte de Isabel II – altura em que deveriam estar mais unidos. “O problema é que Carlos odeia confrontos. Uma pessoa que jantou com ele no início desta semana disse-me que ele quer ficar fora disto, mas acho que será impossível”, acrescentou.

Os três episódios seguintes, que entram na plataforma no dia 15 de dezembro, provavelmente serão mais nocivos para a família real, já que, de acordo com a mesma publicação, irão detalhar os motivos que levaram o casal ao abandono da monarquia, em 2020, para viver na Califórnia.

“Não me atiraram apenas aos lobos, usaram-me para alimentá-los”, diz Meghan Markle no novo trailer. “Eles não se importavam de mentir para proteger o meu irmão, mas não estavam dispostos a dizer a verdade para nos proteger”, acrescenta Harry, de 38 anos, referindo-se a William, o novo príncipe de Gales, 40.

“Eu pergunto-me: ‘O que teria acontecido se não tivéssemos saído quando saímos?’”, interroga Harry. Ao que Meghan acrescenta: “Eles nunca estiveram dispostos a dizer a verdade para nos proteger, todos no mundo sabiam onde estávamos”.

O trailer, que também apresenta fotos e vídeos do casal na sua casa na Califórnia e com os seus filhos, termina com Harry dizendo: “Sempre senti que vale a pena lutar nesta luta”.

Segundo o The Guardian, com o Palácio de Buckingham amplamente poupado durante os três primeiros episódios, os trailers dos três episódios finais sugerem um ataque à família – apelidada de The Firm por Diana, a falecida princesa de Gales.

Num clipe de um minuto, Meghan diz diante das câmaras: “É quando uma família e uma empresa familiar entram em conflito direto”.