Os provincianos

Com a ‘ideologia de género’ passámos de uma classificação objetiva, baseada na ciência – os cromossomas XX nas mulheres e XY nos homens –, para uma caracterização subjetiva, baseada no modo como a pessoa ‘se sente’. Um homem que se sinta mulher é do ‘género feminino’.

No tempo da guerra colonial, os movimentos de guerrilha em Angola e Moçambique eram muito apoiados pelos países nórdicos, em particular pela Suécia. Eu era adolescente e isso fazia-me imensa confusão. Como se entendia que, estando os suecos tão longe de África, não tendo interesses em África, apoiassem a guerrilha? O meu pai, que vivia em Paris, explicava-me: «Esses países têm a maior parte dos seus problemas resolvidos, não têm nada com que se ocupar, as pessoas chateiam-se de morte – e para darem um sentido à vida dedicam-se a causas como esta». 
Lembrei-me disto a propósito da ‘ideologia de género’, hoje tão em voga, oriunda de universidades americanas.
Estando o problema da liberdade resolvido nos EUA há muito tempo, os académicos passaram a dedicar-se aos direitos das minorias. Os direitos dos deficientes, dos grupos étnicos, dos homossexuais, etc. 

E de direito em direito, chegaram à seguinte questão: por que razão há de haver um ‘determinismo’ no que respeita ao sexo? Por que razão alguém que nasce homem não pode ter a ‘liberdade’ de se tornar mulher, e vice-versa? Por que há de ficar prisioneiro do sexo com que nasceu?

Aí, autorizam-se as operações de mudança de sexo.

Mas não bastava. Era preciso abolir por completo o estigma sexual. Tinha de ser indiferente um bebé nascer com ‘pilinha’ ou ‘pipi’. Era uma ‘pessoa’ e isso bastava. Assim, o sexo deixou de constar dos bilhetes de identidade. E a palavra ‘sexo’ começou a ser vista como discriminatória, tal como a palavra ‘raça’. Falar em sexo relativamente a uma pessoa já era uma discriminação. 

Então inventou-se a palavra ‘género’. Que já não tem nada que ver com o que distingue o homem da mulher – os cromossomas XX nas mulheres e XY nos homens – mas sim com o modo como a pessoa ‘se sente’. Um homem pode sentir-se mulher – sendo então classificado como sendo do ‘género feminino’. Ou uma mulher pode sentir-se homem, sendo do ‘género masculino’.

E assim se passou de uma classificação objetiva, baseada na biologia, para uma caracterização subjetiva baseada no modo como a pessoa ‘se sente’. Com o problema adicional de um indivíduo poder mudar de ‘género’ ao longo da vida.

Enquanto o sexo se mantinha em princípio imutável do nascimento à morte, o género pode ir mudando.

Enfim, estamos no reino da confusão, para não dizer do absurdo.

Mas tendo este tema nascido em países sem dificuldades, em que os intelectuais se dedicam a discutir o sexo dos anjos, passou a países como Portugal, que têm outros problemas.

E aqui a questão foi agarrada com as duas mãos por forças políticas que gostam de lançar a confusão. O BE foi o primeiro a aperceber-se deste filão. E levantando uma questão que não se punha desde Adão e Eva, lançou a dúvida nas mentes mais fracas. 

As primeiras vítimas foram os ‘provincianos’. E aqui não me refiro às pessoas da província, em geral com os pés assentes na terra, genuínas e com o bom senso de quem vive em contacto com a natureza. Falo exatamente de populações urbanas, desenraizadas, que querem parecer o que não são. Que querem mostrar-se ilustradas, cultas, à la page, identificadas com a última moda.

Para estas pessoas, a questão do ‘género’ apresentou-se como uma ótima oportunidade para se mostrarem modernas e informadas. Como aquelas pessoas que começaram a dar um beijo em vez de dois, para imitarem as elites. 

Os ‘provincianos’ aprenderam novas palavras. Além de ‘género’ passaram a usar termos como ‘inclusão’, ‘binário’ e ‘não binário’, etc. 

Ora, juntando estes ‘provincianos’ aos militantes partidários, já era mais gente – e gente ativa, no caso destes últimos.
Mas não era tudo. 

Como acontece com frequência nestas situações em que surgem ideias revolucionárias, há os que têm receio de as afrontar, temendo ser atacados, ridicularizados, acusados de reacionarismo, de ignorância. Ou não querem parecer old fashion. E acabam por seguir a moda, mesmo discordando dela ou não a compreendendo. 

E, somando estes aos outros, o grupo já é muito grande. São os profissionais da confusão, são os provincianos que os imitam, são os que têm receio de se manifestar.

E assim, um fenómeno que partiu de uma pequena minoria acaba por se impor à maioria. 

A bem dizer, só os mais corajosos e mais convictos, os que têm coragem de pensar pela sua cabeça e não têm medo de falar, ousam contestar hoje a ‘ideologia de género’. 

Quanto aos outros, só quando ouvirem os seus filhos dizer em casa que querem ser outras pessoas, que estão infelizes com o sexo que têm e querem trocar, que não querem ser tratadas por João ou Inês mas por Manuela ou Ricardo, que não querem vestir calças mas saia e usar soutien, é que perceberão a loucura a que a ideologia de género conduziu. 

Só aí perceberão o crime que representa lançarem-se dúvidas existenciais na cabeça de crianças e adolescentes.
E talvez aí os provincianos reajam, os medrosos percam o medo, e todos gritem em conjunto: «O Rei vai nu!». 
Quanto aos ideólogos e aos profissionais da confusão, rebentarão de gozo a assistir a estas cenas.