As criptomoedas já não são o que eram?

Desde o colapso da bolsa de criptoativos FTX que o receio dos investidores relativamente aos criptoativos tem crescido. Cenário pode levar à perda de investidores? Qual o futuro?

O mundo, muitas vezes considerado de sonho, das criptomoedas, parece já não ser o que era. Recentemente têm existido várias notícias que dão conta de que, com a queda da valorização das criptomoedas, os investidores estão a perder milhares de euros. Este cenário de incerteza pode levar à perda de investidores? Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, explica que desde o colapso da bolsa de criptoativos FTX a 11 de novembro, «o receio dos investidores relativamente aos criptoativos tem crescido consideravelmente», acrescentando que «à significativa desvalorização das criptomoedas desde o início do ano, impulsionada pela subida dos juros pelos bancos centrais, seguiu-se nas últimas semanas uma profunda desconfiança. Perante a gradual incerteza de qualquer ativo financeiro é normal que os investidores reajam com afastamento».

Já Henrique Tomé, analista da XTB, explica que as recentes quedas no mercado cripto «têm estado relacionadas com o clima de risk-off (diminuição do risco no lado dos investidores) que voltou a marcar o início das negociações desta semana e no qual também foi visível nos mercados tradicionais». E, por isso, «o receio dos investidores em relação ao risco de recessão que poderá atingir as grandes economias no próximo ano» tem sido «um dos grandes motivos por detrás dos recentes movimentos». No entanto, o analista defende que o mercado cripto tem-se comportado «relativamente melhor que os mercados tradicionais, tendo em conta que este mercado é muito mais volátil do que as equities». Assim sendo, defende que «é normal que as variações das cotações dos ati vos possam provocar valorizações / desvalorizações nos investimentos, mas o cenário de perda total do investimento por via de um colapso no mercado cripto parece pouco provável».

Recentemente, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que pretende uma regulamentação urgente no mercado das criptomoedas. Questionado sobre se é urgente que esta regulamentação seja feita, Paulo Rosa recorda as perdas dos investidores face ao colapso da bolsa de criptomoedas FTX que não tiveram «qualquer tipo de proteção ou garantia de depósitos como acontece nas moedas fiduciárias regulamentadas pelos estados e geridas pelos bancos centrais».

Por sua vez, Henrique Tomé defende ao Nascer do SOL que este ano «tem sido particularmente difícil para o mercado cripto, após a falência de várias plataformas inseridas no ecossistema cripto que voltaram a reforçar a necessidade de existir uma maior regulamentação em torno do mercado». E que as intenções do BCE e também da Reserva Federal Americana (Fed), «são importantes e fundamentais até para restaurar a confiança nas instituições de cripto que têm sido fortemente penalizadas este ano». No entanto, defende, essa regulamentação «poderá também atrair mais investidores a este novo mercado».

 

‘Bolha de uma geração’?

Ainda esta semana o membro da comissão executiva do BCE, Fabio Panetta, classificou as criptomoedas como ativos de apostas com risco, que servem para jogar a dinheiro e que são, em suma, a «bolha de uma geração».

O economista do Banco Carregosa defende que, há um ano, o valor de mercado das criptomoedas ascendia aos 3 biliões de dólares, mas atualmente é 860 mil milhões de dólares, «uma perda superior a dois terços do seu valor». E acrescenta que «a perda de mais de dois biliões de dólares já é significativa e penalizadora do mercado, mas o problema torna-se real e aumenta significativamente o risco sistémico se a essas perdas estiverem associados empréstimos para a compra de criptoativos».

Por sua vez, o analista da XTB recorda que existem várias opiniões sobre este mercado que devem ser respeitadas. «Eu pessoalmente não acredito e esse tipo de comentários vêm de pessoas que são adversas à mudança. A verdade é que o interesse no lado dos investidores e instituições continua a aumentar, apesar de todos os desafios que se têm colocado pelo caminho», defende.

E há outras opiniões com Ulrich Bindseil e Jürgen Schaaf, diretor e consultor da divisão de infraestrutura de mercados e de pagamentos do BCE a dizer que a bitcoin está a dar «o último suspiro antes da irrelevância». Há mesmo o risco de a bitcoin estar próximo do fim? Para Paulo Rosa é claro que, nas economias avançadas, a bitcoin «cumpriu o papel de mais uma alternativa de investimento após a enérgica política monetária expansionista dos bancos centrais para mitigar a crise ditada pela pandemia e pelo confinamento», acrescentando que essa alternativa «esteve associada por vezes a um investimento especulativo». Mas acrescenta que essa postura dos bancos centrais «reverteu com o aparecimento da inflação, e desde então as criptomoedas têm desvalorizado à medida que os juros aumentam». Só que defende que em países com deficientes sistemas financeiros, onde ter con ta bancária não é fácil, tais como o Iémen, Serra Leoa, Laos, Sri Lanka, Gana, «a bitcoin acaba, por vezes, por desempenhar o papel de moeda».

Já Henrique Tomé diz não concordar com a opinião do BCE defendendo que a bitcoin «já tem sido implementada em alguns países nos quais se tem registado uma melhoria na atividade económica após a sua implementação» e que, além disso, «os países com maior risco de câmbio poderão beneficiar da utilização da bitcoin ou outras criptomoedas, como as stablecoins, como alternativa à moeda nativa».

Recorde-se que o Orçamento do Estado para 2023 regulamenta a atividade de criptoativos, enquadrando as mais-valias obtidas com a sua negociação, mas também a atividade de intermediação. Especialistas dizem que «Portugal não é um hub relevante de negociação de criptoativos».