O presente de António Costa

A verdade é que o seu Governo, até pelo que não faz para resolver os problemas que os portugueses enfrentam no dia a dia – seja na Saúde, na Educação, na Justiça, em todas as funções que o Estado cada vez mais mal presta –, não parece preocupar-se com outra coisa que não a ‘bolha…

António Costa não esperou pelo Natal para pôr o seu presente no sapatinho dos portugueses: o seu futuro.

Embrulhou-o numa extensa entrevista à Visão, que é muito reveladora tanto pelas respostas do entrevistado como pelas perguntas que os entrevistadores fizeram e, sobretudo, pelas que deixaram por fazer – sendo surpreendente o líder do PS não ter sido questionado nem sobre os seus possíveis sucessores nem sobre se será candidato a um novo mandato como primeiro-ministro, visto que afasta concorrer à Presidência da República e sair para um cargo europeu ou internacional.

Ao fim de sete anos como primeiro-ministro, seis dos quais obrigado a negociar com o PCP e nos cinco primeiros também sujeito a conviver com os caprichos do BE de Catarina Martins – para com quem cedo perdeu a paciência e há muito passou a nem sequer tolerar –, António Costa não encontrou na maioria absoluta conquistada em janeiro passado, pelo menos até agora e já lá vai quase um ano, as condições para uma governação com rumo, tranquila e sem sobressaltos.

O chefe do Executivo socialista pode continuar a enterrar a cabeça na areia ou a assobiar para o lado com todos os escândalos que envolvem membros do seu Governo e que põem em causa a sua capacidade de escolha e de escrutínio de colaboradores e governantes.

Mas não pode pretender reduzir a «casos e casinhos» alimentados por uma «central de criação de soundbites da direita» as óbvias e graves falhas de comunicação e de coordenação do Governo – envolvendo ministros com a experiência política de Pedro Nuno Santos, Fernando Medina ou Mariana Vieira da Silva – ou as não menos graves suspeitas de corrupção ou, no mínimo, má gestão de dinheiros públicos – como os do seu agora ex-secretário de Estado Adjunto e antigo presidente da Câmara de Caminha, Miguel Alves, ou do ainda secretário-geral da presidência do Conselho de Ministros, David Xavier, ou da remodelada secretária de Estado do Turismo, Rita Marques.

António Costa diz que não se distrai com «essas coisas». Tem de focar-se na governação. «Os portugueses estão preocupados com os problemas que enfrentam no dia e a dia» e «é nesses problemas que devemos focar-nos», porque, acrescenta, «se um Governo se distrai com o ruído da bolha mediática, passa a governar para a bolha e não para os cidadãos».

O primeiro-ministro lá sabe o que diz.

A verdade é que o seu Governo, até pelo que não faz para resolver os problemas que os portugueses enfrentam no dia a dia – seja na Saúde, na Educação, na Justiça, em todas as funções que o Estado cada vez mais mal presta –, não parece preocupar-se com outra coisa que não a ‘bolha mediática’.

Aliás, não há memória de um primeiro-ministro com uma frequência tão grande de entrevistas aos mais variados meios de comunicação social subsidiados direta ou indiretamente pelo Estado.

E não só o primeiro-ministro. Também os ministros passam a vida em encontros para os quais convocam a comunicação social – e, claro, particularmente as televisões – como nunca se viu em Executivo anterior.

E quem mais aparece é quem menos obra tem para mostrar. Como é, aliás, o caso do próprio primeiro-ministro.

António Costa nunca primou por exercer e fazer uso do poder para implementar as reformas estruturais de que o país precisa para recuperar de um atraso cada vez maior em relação ao resto da Europa, sucessivamente ultrapassado pelos países do leste europeu – agora, até pela Roménia!

É, sim, conhecido por ter uma invulgar habilidade para gerir poder e conservá-lo, sendo exímio a controlar e condicionar as mais variadas peças do xadrez político, incluindo nesse tabuleiro a comunicação social.

É, de facto, um artista.

Se não o fosse, não diria «nunca» – nem «jamais» – a uma candidatura a Belém, como o fez nesta entrevista.

Nem precisava de o fazer, se o que pretendia passar como mensagem principal é que está longe de estar cansado e está para durar como primeiro-ministro e líder do PS.

Cansado? Desde as eleições quem se cansou foi um líder do PSD, um líder da Iniciativa Liberal e um líder do PCP. Eu ainda cá estou. E por mais quatro anos, até ao final do mandato», disse.

Foi aqui, também, que ficou a faltar a pergunta sobre o que se seguirá.

Mas até pelo «habituem-se» que fez questão de recuperar percebe-se que o que lhe vai na alma, por mais cansado e farto que possa parecer, é que, por ele, continuará enquanto o povo o consentir.

E reza a nossa História que, quando quem no poder resiste, o povo o consente até à exaustão.

É por isso que António Costa, até para consumo interno no PS, vai abrindo desde já caminho para uma recandidatura a primeiro-ministro em 2026.

Essa é sua perspetiva em relação ao futuro. E o presente que já nos pôs no sapatinho.

Uma rica prenda!