O pecado de Eva

A União Europeia é uma das maiores concretizações políticas do século XX, continuada no século XXI. Se esta é a regra, Eva Kaili e os companheiros de triste percurso são a exceção que, provando-se os factos e até pelo dano que causam, tem de ser combatida e condenada no plano político e judicial.

Por Nuno Melo 

Não há como desvalorizar o escândalo de corrupção que envolve a eurodeputada socialista Eva Kaili, o marido, o pai, e outros eurodeputados e assistentes do mesmo grupo político. Mesmo assim, se o dano de credibilidade é inevitável, o Parlamento Europeu não se confunde com a alegada desonestidade de um conjunto restrito de pessoas. 

No Parlamento Europeu, a esmagadora maioria dos representantes de todos os países, trabalha muito pelo sucesso de um projeto comum que, depois do flagelo de guerras mundiais e milhões de mortos, tem assegurado paz, autonomia alimentar, um mercado interno colossal, riqueza, trabalho, infraestruturas, concretizações científicas, experiências universitárias, livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais. A União Europeia é uma das maiores concretizações políticas do século XX, continuada no século XXI. Se esta é a regra, Eva Kaili e os companheiros de triste percurso são a exceção que, provando-se os factos e até pelo dano que causam, tem de ser combatida e condenada no plano político e judicial.

Não obstante, pelo menos para quem conheça a dinâmica do Parlamento Europeu, onde interagem mais de 700 eurodeputados e milhares de dirigentes, funcionários, técnicos e assessores, o que se vai conhecendo, só pode ser uma parte pequena, de uma história mal contada. No Parlamento Europeu as divergências políticas acontecem entre os diferentes grupos políticos, mas também dentro de cada um deles. Nenhum eurodeputado, ou mesmo uma mão cheia de pessoas, todas do mesmo partido, consegue influenciar determinantemente as decisões da maioria, bem mais diversa. De resto, 1,5 milhões de euros pagos como suborno, para assegurar intervenções simpáticas ou resoluções a favor do Catar, seria no mínimo insólito. É por isso de crer que mais surpresas poderão surgir.

Dito isto, o que está a acontecer também tornou mais nítido outro fenómeno grave: na União Europeia há inúmeras ONG e ditas ‘plataformas’, algumas criadas em tempo relâmpago, sem que se lhes conheça a origem e os promotores, nem como se financiam e sem serem escrutináveis democraticamente, que gravitam quase sempre à volta de partidos de esquerda, mas que são tidas em conta no debate público e mediático, influenciando decisões políticas, com uma facilidade realmente desproporcionada e perversa Aceitar o significado disto, sem nada fazer, só por ingenuidade, ou vantagem que alguém daí retire. E a evidência vale tanto para a ‘Fight Impunity’ do ex-eurodeputado socialista Pier Antonio Panzeri, de que Francesco Giorgi, marido de Eva Kaili é fundador e membro, como para as ‘que se lixe a ‘troika’ desta vida, ou outras, que se dedicam a ficcionar rankings falsos do trabalho de políticos, divulgados por incautos instrumentalizados no propósito da criação de agendas e condicionamento das escolhas nas urnas. 

Para o que importa, convirá também que se perceba, que nenhuma instituição é completamente imune aos fenómenos da corrupção. Em Portugal, de resto, um ex-primeiro-ministro socialista está constituído arguido. Relevante é que as respostas sejam contundentes e à altura.

No que tem que ver com o Parlamento Europeu, Eva Kaili foi destituída do cargo de vice-presidente, na sequência de uma votação esmagadora, que contou somente um exótico voto contra. Mesmo o grupo dos Socialistas e Democratas foi lesto no afastamento dos envolvidos, constituindo-se ‘parte ofendida’.

Na verdade, até o eurodeputado Pedro Marques, que encabeçou a lista do PS nas últimas eleições europeias, disse sentir-se «enojado» com o que está a acontecer, numa declaração que bem pode expressar o sentimento geral. Já só resta que nas equivalências domésticas, as reações dos socialistas portugueses também mostrem contundência assim.