Barragens. Muitas voltaram a encher (e continuarão) devido a chuvas fortes

“Houve aquele célebre despacho que determinou que uma série de barragens deixasse de turbinar. Agora, pelos vistos, há água com fartura”, observa o Professor Catedrático Clemente Nunes.

A chuva tem dado poucas tréguas aos portugueses e, por isso, algumas barragens estão cada vez mais próximas da capacidade máxima: algo que contraria claramente a situação de escassez de água que se vivia no verão, quando a seca era um flagelo que parecia não cessar. André Fernandes, comandante nacional da Proteção Civil, disse que “o período crítico desta precipitação” terá começado ao final do dia de ontem, constituindo a sua “altura crítica” a “madrugada de dia 20, terça-feira”.

“Ficaram-me uma série de dúvidas. Há várias barragens concessionadas e não é claro como essas concessões permitem a gestão por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Esta fica numa posição complicada. Produzir eletricidade é um negócio da EDP, da Iberdrola, da Engie e de outras empresas. Quando se dá ordem para turbinar, tem de haver consenso”, começa por salientar Clemente Pedro Nunes, referindo-se à notícia do Expresso cujo título é “Mau tempo: vem aí nova carga de água e para prevenir inundações a APA esvazia barragens em cascata”.

“Houve aquele célebre despacho, de fevereiro, que determinou que uma série de barragens deixasse de turbinar. Agora, pelos vistos, há água com fartura. Sempre foi assim”, diz o professor Catedrático do Instituto Superior Técnico que é especialista em energia. Em fevereiro deste ano, em conferência de imprensa conjunta com a ministra da Agricultura após uma reunião da comissão de acompanhamento da seca, o então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que o Governo deu ordens para suspender a produção hidroelétrica em quatro barragens da EDP, devido aos efeitos da seca meteorológica que estava a afetar todo o país.

Alto Lindoso, Touvedo no Alto Minho, Cabril e Castelo de Bode, no Zêzere foram as barragens em questão, que pararam de produzir eletricidade a partir da água. Ficou igualmente suspenso o abastecimento de água para rega a partir da albufeira da Bravura em Lagos. Apesar de ter reconhecido que estava preocupado com o cenário de seca, o antigo dirigente considerava que se chovesse o normal em fevereiro e março ainda seria possível reverter o problema.

Cheias de Coimbra e obras estruturantes “Não entendo como funcionam estes contratos. Nos casos em que há também uma utilização hidroelétrica, como é feita esta correlação? A ideia geral… percebe-se. É evidente que se uma barragem estiver a 100%, tem de despejar. E se despejar, pode inundar os leitos dos rios a jusante”. Como foi indicado pela APA, no seu boletim semanal de disponibilidades hídricas das barragens, a precipitação que se tem feito sentir, nomeadamente entre 12 e 14 de dezembro, levou a que a água subisse aproximadamente 785 hm3 em 71 das 80 albufeiras monitorizadas por aquela entidade, permitindo que ficassem a 72% da capacidade total de armazenamento.

Isto é, diversas reservas de água recuperaram, como as bacias hidrográficas do Vouga (+20%), do Mondego (+14%), do Tejo (+17%), do Sotavento (+10%) e do Guadiana (7%). Por outro lado, as bacias do Mira (Santa Clara), Sado (Monte da Rocha e Campilhas) e Barlavento algarvio (Bravura) continuavam a menos de 50% da sua capacidade: a Bravura não ultrapassava mesmo os 10% na semana passada.

“Nas barragens do Zêzere, uma das prioridades que tenho defendido é que é urgente instalar escalões de bombagem para a água andar em circulação e produzir hidroeletricidade. E depois há outra questão: pensar no reforço do transvase da água da bacia do Mondego para a bacia do Zêzere, algo que aliviará o problema das cheias em Coimbra”, observa Clemente Pedro Nunes.

“É para isto que serve a engenharia: fazer obras estruturantes no país e não para parvoadas e discussões como se tem visto à volta de nada como a questão do aeroporto, que se discute há 60 anos e ainda não se construiu”, conclui.