Lisboa, centro sem fuga?

Junto à porta de uma das lavandarias que existe em Arroios, sinto o cheiro a roupa lavada. Recordo-me de outros tempos, quando era criança e a minha mãe passava a ferro a roupa que acabara de tirar do estendal.

É domingo… Acordo cedo e vou em direção à lavandaria self service para secar o edredom que lavei durante a noite.

Junto à porta de uma das lavandarias que existe em Arroios, sinto o cheiro a roupa lavada. Recordo-me de outros tempos, quando era criança e a minha mãe passava a ferro a roupa que acabara de tirar do estendal.

Máquinas de lavar e secar funcionam ininterruptamente. Vejo um senhor sentado, que aparenta sessenta e poucos anos, magro, ar abatido e desgastado, concentrado no rodopio da roupa no tambor das máquinas.

Apercebendo-se da minha inexperiência, pergunta se preciso de ajuda. Levanta-se e explica-me todo o processo.

Ligo a máquina. Ficámos em silêncio.

A meio do programa de secagem o Sr. João (nome fictício) diz-me que devo abrir a máquina e desenrolar o edredon. «Para secar melhor», aconselhou.

Com o ar quente que saía da máquina, foi quebrado o gelo que serviu de mote para a nossa conversa.

João disse-me que não tinha trabalho. Aguarda há três meses pela resposta da Segurança Social para atribuição do rendimento social de inserção. Tem vergonha de pedir dinheiro na rua, porque «até há pouco tempo tinha trabalho».

– Para a semana vou ser operado a um dos olhos – diz-me enquanto mostra o pé inchado e explica que é diabético. Aguarda ainda pelo agendamento de um exame doppler no Hospital de Santa Marta.

À noite, um amigo deixa-o dormir numa pequena dispensa de uma oficina até que a Segurança Social lhe arranje um quarto:

 – É muito difícil, ninguém quer arrendar um quarto a uma pessoa na minha situação! – diz desanimado.

Ao jantar, a Santa Casa dá o apoio necessário:

– A comida é muito boa, ainda ontem foram duas costeletas com esparguete! Embora se queixe que às vezes a comida tem pouco sabor, talvez por falta de sal.

Antes de nos despedirmos e agradecer os minutos de conversa, mostrou-me um maço de cigarros com pontas que apanha da rua.

O Sr. João é uma entre tantas outras pessoas com vontade de trabalhar, mas que vive em Lisboa sem rendimentos e casa para o abrigar.

Foi o PAN que avançou com o conhecido projeto Housing First pensado para pessoas que, como o Sr. João, vivem sem teto e pretendem recuperar uma vida autónoma. A atribuição de uma casa é, pois, um passo essencial para fazer este caminho. Trata-se de um projeto desenvolvido por quatro entidades: a Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS), Crescer na Maior – Associação de Intervenção Comunitária, GAT – Grupo de Ativistas em Tratamentos e VITAE – Associação de Solidariedade e Desenvolvimento Internacional em protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa.

No orçamento para 2023 da Câmara Municipal está contemplado no Pilar 4 – «‘Uma cidade Solidária’ um aumento do número para 380 casas a atribuir no âmbito deste projeto».

Oxalá, o Sr. João seja um dos visados e tenha a sorte de conseguir retomar a sua vida