A História conta-se em poucas palavras: uma senhora, de nome Alexandra Reis, saiu de uma empresa pública com uma indemnização de 500 mil euros, no mês seguinte foi nomeada para a presidência de outra empresa pública onde esteve seis meses, e depois foi convidada para o Governo.
E ficou alegremente com a indemnização que tinha recebido na primeira empresa, sem lhe ocorrer por um minuto sequer que a situação poderia não ser muito correta.
Num país onde há muita gente que recebe o ordenado mínimo, este caso é absolutamente chocante.
A tal ponto que Marcelo Rebelo de Sousa – que não se cansa de pôr a mão debaixo do Governo –, começou por se referir ao assunto com pinças, e de declaração em declaração foi subindo o tom até o condenar claramente.
Não podia fazer outra coisa.
Defendê-lo seria incompreensível para a esmagadora maioria dos cidadãos – e ele percebeu isso.
Alexandra Reis veio dizer que foi tudo legal.
Se foi, é surpreendente que as leis possibilitem situações destas.
Mesmo assim, as dúvidas existem.
Na declaração à CMVM, aquando da saída de Alexandra Reis da TAP, está escrito que a administradora saiu a seu pedido.
Mas, depois da publicação das primeiras notícias sobre o caso, Alexandra Reis afirmou que foi a empresa que a convidou a sair.
Ora, se foi ela a despedir-se, não teria direito a qualquer indemnização; se foi despedida, teria esse direito – mas deveria perdê-lo a partir do momento em que foi contratada para outro organismo público.
Ficando com a indemnização da TAP (correspondente a salários que auferiria se ficasse na empresa), e recebendo o ordenado da NAV, Alexandra Reis passou, na prática, a acumular dois salários.
Mesmo pondo de parte questões morais, a lei não deveria permitir uma situação destas, manifestamente lesiva do interesse público.
Os lugares de administradores são, nos dias de hoje, os que permitem maiores imoralidades.
Há administradores ganhando fortunas que pouco fazem e não sabem nada de nada.
Nas empresas jornalísticas onde trabalhei, os administradores eram as pessoas que menos qualificações precisavam de ter.
Os jornalistas precisavam de saber escrever, os fotógrafos tinham de ter conhecimentos de fotografia, os paginadores necessitavam de formação gráfica; mas os administradores não precisavam de saber fazer coisa nenhuma: bastava-lhes dizer umas coisas nos conselhos de administração e receber o ordenado ao fim do mês.
E é assim na maior parte das empresas.
Na TAP, os engenheiros, os que que fazem a manutenção dos aviões, os pilotos, mesmo os que trabalham no check-in, têm de saber do seu ofício, ter qualificações específicas; mas um administrador pode não saber fazer nada.
Assim, é o lugar que permite os ‘tachos’, as nomeações políticas, a colocação de pessoas que não teriam lugar em qualquer outro setor.
Claro que há grandes administradores, indivíduos que valorizam as empresas, que as engrandecem, mas a maioria não é assim.
A maioria dos lugares nos conselhos de administração corresponde a lugares políticos.
As indemnizações também têm permitido situações escandalosas.
Conheço casos de pessoas que fizeram a sua vida à custa de indemnizações.
Dou um exemplo.
Um ministro, ao terminar funções, colocou um dos seus assessores numa determinada empresa da esfera pública.
O indivíduo nunca trabalhou nessa empresa – ou, se trabalhou, foram uns escassos dias.
Como o seu contributo não interessava nada à empresa, e tinha um ordenado alto, ao fim de um tempo propuseram-lhe a negociação da saída – e pagaram-lhe uma pequena fortuna.
Julgo que o fulano acumulou ao longo da vida duas ou três avultadíssimas indemnizações, vivendo otimamente sem trabalhar quase nada.
O Partido Socialista, dizendo-se ‘do povo’, seria teoricamente mais intolerante com estas situações imorais do que os partidos ‘de direita’.
Mas passa-se exatamente o contrário.
Sendo o partido com mais tempo de permanência no poder, é a ele que se encostam os carreiristas, os oportunistas, os que querem ganhar bem trabalhando pouco.
Assim, o PS transformou-se numa agência de empregos, distribuindo benesses à custa do dinheiro público.
A história da ex-administradora da TAP Alexandra Reis ilustra bem a gestão do PS nesta matéria.
Recebeu do Estado 500 mil euros para sair de uma empresa; no mês seguinte começou a receber do Estado um ordenado principesco noutra empresa; e seis meses depois foi promovida a secretária de Estado do Tesouro.
E tudo isto se passou debaixo do nariz (ou por ação direta) de um ministro – Pedro Nuno Santos – que se dizia justiceiro e dava murros na mesa a defender a moralidade, com a cumplicidade do ministro das Finanças, Fernando Medina.
O caso acabaria (provisoriamente) de forma estrondosa.
Primeiro, com a demissão de Alexandra Reis, que parecia inevitável.
Mesmo assim, o ministro das Finanças teve de lhe pedir humildemente para sair – e ela dispôs-se a fazer esse ‘favor’, com uma sobranceria que deixava no ar a ideia de que tinha mais poder do que se pensava.
Ora, a demissão de Pedro Nuno Santos veio confirmá-lo: não era uma pessoa qualquer que arrastaria na sua queda um ministro que metia medo a António Costa.
Tudo indica que esta história ainda tem muito para contar.
O que se esconde por detrás desta enorme trapalhada?
Espera-se pelas cenas dos próximos capítulos.