Depois das eleições de 1999, em que falhou a conquista da maioria absoluta por um deputado, António Guterres ficou deprimido, considerou-se incompreendido pelo país e perdeu o ânimo.
Isto mesmo me foi confidenciado por José Sócrates três anos mais tarde (depois de Guterres se ter demitido a meio do mandato, na sequência de uma derrota nas autárquicas, e de Durão Barroso ser eleito primeiro-ministro).
Sócrates acrescentou que Barroso também iria sair do poder com uma amargura da boca, pois a política não compensava.
Era uma atividade madrasta.
Isso não impediu que, uns anos depois, o próprio Sócrates se candidatasse à liderança do PS e à chefia do Governo.
E aí viveria caprichosamente a mesma situação que deprimira Guterres: em 2009 não conseguiria renovar a maioria absoluta e demitir-se-ia antes de concluir o segundo mandato.
Com António Costa, porém, tudo se passou ao contrário.
Há um ano, todas as sondagens apontavam para a impossibilidade de alcançar a maioria absoluta, admitiam mesmo a hipótese de uma vitória do PSD – e nas urnas verificou-se o impensável.
Inesperadamente, Costa conseguiu o que António Guterres e José Sócrates tinham falhado.
Com uma maioria absoluta no Parlamento, parecia que iria ter uma vida tranquila.
A maioria parlamentar possibilitava-lhe fazer o que quisesse, a ‘bazuca’ dava-lhe os meios materiais para isso.
Teria à sua frente quatro anos percorridos numa passadeira vermelha.
Mas lá diz o ditado: quando a esmola é grande, o pobre desconfia.
E António Costa tinha razões para desconfiar.
No mandato anterior, não tinha oposição: o PSD liderado por Rui Rio não fazia grande mossa, o PCP e o BE eram cúmplices do Governo, o CDS já estava em coma; ora, na nova legislatura, ia ter todos os partidos contra ele.
Por outro lado, o Governo ficava muito mais exposto: deixava de ter desculpas para não fazer.
Seria responsabilizado pelo que fizesse e pelo que não fizesse.
Finalmente, instalou-se entre os militantes socialistas um perigoso clima de euforia: tinham finalmente o poder por inteiro, podiam aprovar tudo o que quisessem sem a ajuda de terceiros, havia lugares à farta para distribuir.
Uma situação destas é muito difícil de gerir.
Até porque se percebeu que Pedro Nuno Santos não queria passar mais quatro anos a servir de muleta a António Costa.
Sucederam-se os casos: a desautorização total do ministro da Economia por colegas de Governo, os subsídios a empresas de que eram sócios familiares de ministros, o anúncio da localização do novo aeroporto sem o primeiro-ministro saber, enfim, uma sucessão de trapalhadas.
Mariana Vieira da Silva, elevada inopinadamente a número dois do Executivo, andava a apanhar papéis – e Costa nomeara um tal Miguel Alves para coordenar as operações.
Só que a emenda revelar-se-á pior do que o soneto: ele próprio protagonizará um caso… e grave.
Acusado pelo Ministério Público, terá de se demitir.
Para desgraça do primeiro-ministro, ainda não era tudo.
O ano não iria acabar sem mais um escândalo, talvez o maior de todos.
Ainda não percebi o que terá levado Pedro Nuno Santos e Fernando Medina a chamarem para o Governo uma pessoa que tinha ‘sacado’ 500 mil euros ao Estado.
Foi de cabo de esquadra!
O ministro das Infraestruturas teve de se demitir e o ministro das Finanças ficou muito fragilizado.
Só que a saída de Pedro Nuno Santos do Executivo ainda vai piorar as coisas para Costa,
Se fez o que fez no Governo, debaixo da tutela do primeiro-ministro, imagine-se os estragos que poderá fazer no PS, em roda-livre.
Até porque, no partido, muita gente perdeu o medo a António Costa.
O caso do aeroporto foi um momento-chave.
Depois daquele estranho episódio, António Costa só podia ter uma atitude: demitir Pedro Nuno Santos na hora.
Não o tendo feito, mostrando medo de dar esse passo, perdeu toda a autoridade.
Os apoiantes do ex-ministro já não têm receio de dizer o que pensam.
Ana Gomes, no seu programa da SIC, não pára de fustigar o líder.
E, no Governo, Nuno Santos deixou cavalos de Troia.
Já não falando dos ‘jovens turcos’ João Galamba e Duarte Cordeiro, todos recordam o calor com que a ministra Ana Abrunhosa o defendeu no caso do aeroporto, desafiando o próprio primeiro-ministro.
Os equilíbrios que laboriosamente Costa ainda tenta construir vão rebentar pelas costuras, até porque Pedro Nuno Santos não hesita em partir a louça, como já se viu.
António Costa vai ficar entalado entre a oposição de direita (o PSD, o Chega e a IL) e a ala esquerda do PS.
No Governo, o seu principal apoio, Fernando Medina, está enfraquecido.
Prevejo tempos muito complicados para Costa.
Duvido que complete o mandato.
Dizem que poderá ir para Europa.
Sucede que, quanto mais difícil estiver a situação interna, mais difícil será para ele abandonar o barco.
Uma coisa é certa: para António Costa, 2022 começou maravilhosamente e acabou desgraçadamente.
Até o seu clube do coração, o Benfica, perdeu pela primeira vez no campeonato, e logo por números expressivos.
P.S. – Um dia depois da posse dos novos membros do Governo, já houve uma demissão. A situação começa a tornar-se insustentável. Se houver novas demissões, a única solução é o Governo cair e Costa recomeçar do zero.