Governar com a “prata da casa”

A maioria absoluta “caída do céu” está tremida. Marcelo Rebelo de Sousa retomou a iniciativa. E não é arriscado prever que o “countdown” para a dissolução do Parlamento conheceu, ultimamente, um inusitado impulso, mesmo que “a contre-coeur“ do Presidente. 

Parece uma farsa. Ou uma ópera-bufa. A ex-secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, merece entrar para o Guiness ao demitir-se do cargo decorridas pouco mais de 24 horas depois de empossada.

Uma capa do “Correio da Manhã” ditou-lhe o destino ao apontar a “nova governante com as contas arrestadas”. Outra história cómica se não fosse de pesadelo para António Costa, prosseguindo a saga (inédita) de renuncias de ministros e “ajudantes”, protagonistas de cenas pouco edificantes ou mal explicadas.

Este “drama giocoso” , que tem feito as delícias dos media e de um  apreciável sortido de comentadores nas televisões, animou o debate parlamentar de urgência, pedido pelo PSD, e da moção de censura apresentada pelos liberais.

O mais bizarro foi ainda o primeiro ministro sustentar no Twitter , como se estivesse fora do vendaval, que o Governo  “mantém-se firme na execução das suas políticas”, quando salta à vista o contrário. perante a descoordenação, a incompetência – e a leviana falta de escrutínio – na escolha de vários governantes.

A maioria absoluta “caída do céu” está tremida. Marcelo Rebelo de sousa retomou a iniciativa. E não é arriscado prever que o “countdown” para a dissolução do Parlamento conheceu, ultimamente, um inusitado impulso, mesmo que “a contre-coeur“ do Presidente. 

Quando parecia estar a esfriar a crise política, com a substituição cirúrgica das pedras no xadrez governamental – noutra demonstração da alergia do primeiro ministro em recrutar fora da “prata da casa” – o PS   tem procurado anatemizar quem não se conforma com as soluções encontradas, apesar de cheirarem cada vez mais a recurso de segunda ou terceira linha.

Pior: foi noticiado, entretanto, que o arresto das contas da ex-governante era do conhecimento da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que “aos costumes disse nada”, desprezando a mais elementar obrigação ética e institucional.

A confirmar-se, é óbvio que também a ministra não terá condições para continuar faltando apenas saber, no momento em que escrevemos, se o fará pelo seu pé ou empurrada…

Enquanto a PGR se viu forçada a abrir um inquérito à legalidade da indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis, o PS tem procurado por todos os meios vincar as “qualidades” do ex-ministro Pedro Nuno Santos, e a “dignidade” da sua demissão, embora esquecendo metodicamente a sua penosa autoflagelação pública a propósito do novo aeroporto de Lisboa.

Para proteger os “equilíbrios internos” no partido e contentar a sua irrequieta ala esquerda, António Costa apressou-se promover os dois “ajudantes” considerados “pedrounistas”, sem cuidar do perfil de ambos, em especial, de João Galamba, que se tem distinguido pela “energia” dos seus insultos através do Twitter.

De facto, desde o "estrume” e “essa coisa asquerosa” com que “mimou”, há um ano, o extinto programa da RTP, “Sexta às nove”, até à linguagem desbragada e imprópria de um governante que o opôs a outro utilizador daquela rede social, por causa da invasão russa da Ucrânia, Galamba tem-se mostrado mais propenso a arruaças do que à compostura que lhe seria exigível.

Quanto à nova ministra da Habitação, Marina Gonçalves, é notada a sua ascensão política no curto espaço de uma década, desde que entrou no “elevador“ socialista,  como assessora jurídica do grupo parlamentar, até ser deputada e,  depois,  chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas. Objetivamente, o seu percurso profissional fez-se a reboque do PS.

O mesmo “elevador” também serviu à demissionária Carla Alves, quadro técnico na Camara de Vinhais da qual o marido foi presidente, e directora regional de Agricultura e Pescas do Norte, da confiança da ministra da Agricultura, cuja demissão também foi exigida pela CAP, com fartas razões de queixa.

Ao contrário das expectativas presidenciais, o primeiro ministro não achou necessário ir além de uma mudança minimalista no governo, enquanto o aparelho socialista, a coberto do anonimato do costume, se tem afadigado a espalhar que Marcelo Rebelo de Sousa quer "recuperar poder”, que “perdeu com a maioria.”

Outra ponta do novelo está com Fernando Medina, que “assobiou ao cochicho“ como se nada soubesse dos antecedentes de Alexandra Reis no sector empresarial do Estado, quando tinha a obrigação de saber, antes de convidá-la  para o Tesouro.

Medina tem procurado passar incólume “por entre os pingos da chuva”, embora resista cada vez pior às contradições. Afinal e, bem vistas as coisas, continua a seguir o mesmo roteiro dos tempos de autarca à frente do Município de Lisboa, quando declinou qualquer responsabilidade na vergonhosa colaboração dos serviços camarários com a embaixada russa, à qual cedia regularmente dados pessoais dos manifestantes anti-Kremlin. Arranjou um “bode expiatório” e sacudiu a “água do capote”.

Por muito que não queira, Medina está metido num imbróglio. E acha que ao ameaçar jornalistas e comentadores com processos judiciais os silencia.  É uma péssima estratégia de quem se julga intocável.

Na mensagem de Ano Novo, dir-se-ia que Marcelo dera o “tiro de partida”, deixando pairar a ideia de que não excluía, a prazo, outra dissolução do Parlamento, caso os sarilhos se avolumassem.

Mas, logo “emendou a mão” com o argumento de que “não se pode usar a arma atómica todos os anos”

É um facto que este governo está doente. Mas até Luís Montenegro, numa insólita cambalhota, defendeu uma púdica abstenção da bancada social democrata na moção de censura apresentada pelos liberais.

Costa está a pagar o custo de ter sido preguiçoso, ao “esquecer-se” das “maçãs podres” no cesto.

A mediocridade de várias opções está a penalizá-lo e a deixar o País perplexo. A degradação e desagregação do governo são notórias. O despique entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, que aspiram suceder a António Costa, será o próximo capítulo de uma novela ruim. Promete.