Pelé. O raio negro apagou a Luz

10 de novembro de 1962. Há quem jure a pés juntos que foi o melhor jogo da vida de Pelé. Para a Taça Intercontinental, frente ao Benfica (5-2).

No caminho do Benfica apresentava-se o grande Santos: o cometa no auge do seu brilho! Gilmar; Olavo e Dalmo; Zito, Mauro e Calvet; Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. O campeão da Europa contra o campeão da América do Sul. O jogo da 1.ª mão, no Maracanã, foi um festival de futebol de ataque e contra-ataque: ora atacava o Santos, ora atacava o Benfica; ora contra-atacava o Santos, ora contra-atacava o Benfica. Mais de 170.000 pessoas no Maracanã! O Vila Belmiro, com os seus cerca de 20.000 lugares, não era apropriado para jogos internacionais. Ao golo de Pelé, aos 31 minutos, respondeu Santana, aos 58; aos golos de Coutinho (64m) e Pelé (86m), voltou a responder Santana (87m). A corda esticara-se ao ponto de rebentar: em Lisboa se decidiria para que lado. Nelson Rodrigues, o maior dos cronistas do futebol: «Não sei se vocês se lembram de um Benfica x Santos, disputado em Lisboa, há anos. Seria uma partida como outra qualquer, se a presença de Pelé não a transfigurasse, dando-lhe uma dimensão gigantesca. O que o crioulo fez, não há Homero que o descreva. Ele atravessava os adversários assim como um fantasma atravessa as paredes. Lembro-me de um gol, em que ele, numa penetração fulminante, driblou cinco adversários e entrou com bola e tudo. Dizer que foi bom, foi grande, foi sensacional é pouco. Foi muito além de todos os adjetivos. Sua coxa aparecia forte, crispada, vital como a anca de um cavalo negro. A defesa do Benfica não sabia o que fazer, nem havia o que fazer. Pelé era uma força da natureza»

Pelé fez em Lisboa uma das maiores. Não foi à toa que batizaram esse Benfica-Santos como «O Maior Desafio de Sempre em Portugal!!!» Com três pontos de exclamação, que são o meu contributo para jogo tão excitante.

 

Eis o impossível!

0-1, aos 17 minutos: contra-ataque dos brasileiros, passe em diagonal de Coutinho para Pepe; Jacinto está adiantado e o extremo-esquerdo do Santos aproveita o espaço nas suas costas; Raul persegue-o, mas debalde; Pepe centra rasteiro para a entrada da grande-área, Pelé surge fulgurante, em corrida, e remata de primeira. Soberbo!

0-2, aos 27 minutos: Pelé faz tudo sozinho (leram o Nelson?) – finta um, dois, três adversários; à saída de Costa Pereira, coloca-lhe a bola fora do alcance (sim, está bem, talvez o Nelson tenha exagerado, mas só um pouco, muito pouco).

0-3, aos 49 minutos: Pelé outra vez; primeiro hipnotiza Cruz com uma simulação mágica, depois é a vez de Raul; em seguida corre pela direita como se fosse perseguido por um bando de assaltantes de estrada; chegado à linha de fundo, centra rasteiro para a frente da baliza onde Coutinho faz o golo fácil.

0-4, aos 64 minutos: Pelé, ele e só ele, dono da Luz, dono do Mundo; um, dois, três adversários/uma, duas, três fintas como meneios de toureiro; sempre a caminho da baliza, sempre em progressão; ângulo apertado, remate preciso, Costa Pereira impotente. Maravilhoso!

0-5, aos 77 minutos: passe de Pelé para Coutinho, rasgado, largo; Coutinho vai sozinho para a baliza, Costa Pereira sai, vai tomar conta da bola mas escorrega, larga-a, deixa-a fugir para a frente de Pepe; Pepe faz um golo facílimo.

E o Benfica, não existia? De vez em quando, timidamente, submisso perante a superioridade dos brasileiros. Havia_Eusébio, claro! Sempre Eusébio! Eusébio não se resignava, lutava contra a tempestade santista com o orgulho de uma personagem do Eclesiastes. Insistia em chutar, chutar, chutar sempre.

1-5, aos 86 minutos: de longe, de muito longe, Eusébio volta a rematar à baliza de Gilmar; já o tinha feito por meia-dúzia de vezes, já acertara num dos postes; desta feita o remate é impressionante de força e colocação. Grande!

2-5, aos 89 minutos: rápido movimento do ataque do Benfica; Eusébio solta-se e faz um passe suave para a frente de Santana; em corrida, de primeira, Santana remata, em arco e com precisão.

Nelson Rodrigues escreveu aquelas linhas sobre o Benfica-Santos em Julho de 1971. Prometia, então, fazer uma antologia das grandes jogadas de Pelé. E concluía: «Evidentemente, não será uma coluna de jornal o espaço necessário para uma antologia de Pelé. Eu teria de escrever mil páginas, no mínimo. E, como o meu espaço está terminando, repetirei pela milésima vez: – que o crioulo foi o maior jogador que apareceu assim no céu como na terra».