O demónio do palco católico

Felizmente que o Papa tem feito publicidade ao evento e a Portugal, coisa que deveria ser seguida pelas principais figuras do estado. Gastam-se milhões para ouvir um papalvo na Web Summit mas aí ninguém diz nada, e a classe política pela-se para subir ao palco.

Hoje vou estar do contra. E estou do contra porque não percebo o histerismo com a história de um palco custar cinco milhões de euros quando o retorno esperado é de largos milhões de euros, além de que o mesmo poderá ser utilizado em grandes festivais de verão. É, sem dúvida, um grande investimento para a cidade e para o país. E fez-me confusão ver o Presidente da República  a portar-se como um fiscal de obras a falar nos custos do palco-altar e de outros da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Como é que se faz um palco para mais de um milhão de pessoas, que será transmitido para o mundo inteiro? Pega-se nuns contentores, como queria José Sá Fernandes, e faz-se um altar para o Papa falar para o mundo? Ou opta-se por seguir os conselhos do Presidente e faz-se uma coisa modesta, onde o milhão, ou mais, de peregrinos sairá de Portugal com a ideia de um país pobretanas? Nesta história toda, tiro o chapéu a Carlos Moedas que conseguiu, com ar irritado, é certo, explicar que o investimento vai ter um retorno imenso, além de que o palco do Parque Eduardo VII também será um cartão de visita da cidade. Quantos milhões não seria preciso gastar em campanhas de publicidade para promover tanto o país como é o caso da JMJ?

Felizmente que o Papa tem feito publicidade ao evento e a Portugal, coisa que deveria ser seguida pelas principais figuras do estado. Gastam-se milhões para ouvir um papalvo na Web Summit mas aí ninguém diz nada, e a classe política pela-se para subir ao palco.

Estou à vontade, pois, apesar de batizado, não sou católico praticante e há todo um mundo que nos separa, mas não perceber que um encontro que trará a Portugal mais de um décimo da sua população acho uma verdadeira tontice. Além de que toda a zona da Expo que estava por finalizar, ficará completa, dando à população da Grande Lisboa, e não só, um local único.

Quase a terminar esta conversa, diga-se que estranhei que o bispo responsável pela JMJ se tenha sentido magoado pelo preço do palco. Insólito, no mínimo. O que é caro é gastar no que não tem retorno, nem marca a diferença. A zona da Expo ficará com condições para fazer espetáculos únicos na Europa.

A última nota final vai para o representante do Governo na equipa da JMJ. Quererá José Sá Fernandes dizer quanto custaram as obras de requalificação do armazém onde está a sua equipa que ficará a trabalhar no evento até 31 de dezembro de 2024? É que o bispo D. Américo Aguiar está muito próximo de Sá Fernandes, mas numas instalações modestas, sem aquecimento, e com o mobiliário do tempo da antiga Manutenção Militar de Lisboa, onde lhe fiz uma entrevista há umas semanas. Seria também engraçado saber por que razão Sá Fernandes e a sua vasta equipa vão ficar a trabalhar no evento até ao final de 2024.

P. S. Agora algo completamente diferente. É ou não verdade que as empresas europeias estão proibidas de fazer negócios com a Rússia? Se assim é, como é que o Benfica, que já ofereceu material à causa ucraniana, é certo, conseguiu vender dois jogadores a clubes russos? Isto não é furar o bloqueio à Rússia?

P. S. 2. A propósito da palhaçada da invasão do teatro São Luiz, recebi de um amigo linguista uma nota que quero partilhar. «Uma coisa irritante é esta cedência a utilizar a designação cis. Ser trans é a exceção à regra da imensa maioria dos seres humanos. É-se trans ou não se é trans. Há um termo para designar a exceção, mas não faz qualquer sentido arranjar um novo nome para a regra. Não é a minoria que condiciona ou impõe o nome da maioria. Há os tatuados e os não tatuados, não há os tatuados e os ‘alérgicos à tatuagem’, nem os tatuados e os ‘cpl’ (conformados com a pele limpa). Assim como não há os vegan e os ‘cat’ (conformados com a alimentação tradicional). Alinhar na moda idiota do cis é começar logo a ceder aos fanáticos do politicamente correto. Deixem o cis para os radicais do extremismo cultural woke. Trans e não trans chega bem. E esclarece». Não posso estar mais de acordo.

vitor.rainho@sol.pt