O palco da discórdia…

Foi uma vaga de indignação providencial – mais parecendo um ‘golpe de asa’ de especialistas da casa em gestão de crises –à qual não faltaram sequer as contradições presidenciais, muito úteis para desviar o foco das trapalhadas sucessivas que abalaram a credibilidade do governo.

Na mesma semana em que António Costa ‘rebocou’ o Governo até ao interior – para o exibir em foto de família em Castelo Branco -, estalou uma nova e oportuna polémica em redor dos custos do altar-palco e de outras obras necessárias à vinda do Papa à Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Nem de propósito.

Foi uma vaga de indignação providencial – mais parecendo um ‘golpe de asa’ de especialistas da casa em gestão de crises –à qual não faltaram sequer as contradições presidenciais, muito úteis para desviar o foco das trapalhadas sucessivas que abalaram a credibilidade do governo.

Há muito que se sabe que a realização da Jornada Mundial da Juventude é dispendiosa, embora de ‘retorno garantido’, parafraseando a publicidade de um banco privado que terminou mal.

Sabe a Igreja, sabe o Governo, sabem os municípios envolvidos e sabe o Presidente da República, que esteve na cidade do Panamá, em janeiro de 2019, para celebrar com inusitado júbilo, o anúncio da escolha de Lisboa. 

Não admira, por isso, que se tenha envolvido de ‘corpo inteiro’ no projeto, embora com reservas tardias sobre os custos implícitos, lamentando que o altar-palco não corresponda à «visão simples, pobre, não triunfalista» do Papa.

Perante o silêncio de António Costa, esta nova controvérsia veio mesmo a calhar, com o picante adicional, de o coordenador da Jornada, José Sá Fernandes – nomeado pelo governo, em julho de 2021, com todas as mordomias -, alegar, também, ser estranho ao valor do dito palco. 

 

O ex-vereador bloquista – e socialista tardio, com quem rompeu agora Carlos Moedas – é há muito conhecido pelo jeito de ‘sacudir a água do capote’ quando as coisas correm mal, e de agravar as despesas de obras em andamento, como aconteceu com o túnel do Marquês, em 2004, quando interpôs uma providência cautelar, que paralisou os trabalhos durante um ano e agravou substancialmente a despesa. 

Estes ‘pergaminhos’ não foram, contudo, suficientes para dissuadir Costa da escolha, e ainda estendeu o mandato de Sá Fernandes até finais de 2024, sem se perceber porquê.

 

Sobraram para Moedas, eleito ‘bombo da festa’, as ‘mágoas’ do bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude, Américo Aguiar, que, apesar da proximidade do evento e do tempo decorrido desde o anúncio no Panamá, também revelou que sabia pouco, prometendo agora acompanhar tudo «de fio a pavio». Não lhe faltará…

Claro que a retórica dos milhões necessários às Jornadas foi explorada como um maná para distrair dos embaraços do Governo com os outros muitos milhões que os contribuintes estão a ver voar na TAP, renacionalizada à força por António Costa, para agora – hélas! – a querer novamente privatizar. Uma custosa incoerência…

Estranhamente, porém, ainda não reapareceu o cineasta António Pedro de Vasconcelos, que liderou o movimento ‘Não me TAP os olhos’, contra privatização da TAP. Deve estar em recolhimento…

Mas, para os media e comentadores avençados, a história do altar-palco foi ‘caída do céu’ para ‘abafar’ as perplexidades sobre os bónus e as indemnizações milionárias pagas pela TAP, além das demissões de governantes em cascata, metidos em diversos sarilhos.

Amplificado o mal-estar à volta do palco principal das festividades – que Moedas prometeu rever, enquanto avocou a responsabilidade de «coordenar diretamente tudo aquilo que será feito», cortando com  Sá Fernandes, uma bênção -, de pouco serviu a comparação com o investimento de outros países por onde passaram as Jornadas. 

 

É óbvio que, em agosto próximo, Marcelo e Costa estarão sentados na primeira fila, à beira do Trancão, qualquer que seja o custo final do altar-palco – e de outros palcos previstos, além das torres multimédia e demais equipamentos. 

E hão de celebrar o evento com a mesma euforia que manifestaram aquando da Final Eight dos Champions em Portugal, em 2020, ou com o Web Summit, a invenção milionária de um irlandês, com contrato assinado por Medina até 2028, pagando o Município a bagatela de 11 milhões por ano para manter em Lisboa aquela feira tecnológica. Uma mina…

Moedas ganhou a Câmara há pouco mais de um ano, uma espinha atravessada na garganta de Medina e do PS, que tudo farão para lhe dificultar a vida. Foi herdeiro das Jornadas – com quase nada feito pelo seu antecessor – e de vários grandes ‘buracos’, designadamente, a famosa Feira Popular em Carnide, uma megalomania ao abandono, com mais de cinco milhões gastos em infraestruturas. 

Seja-se ou não católico praticante, é inquestionável a importância da realização das Jornadas em Lisboa, quer pelos seus efeitos diretos, quer pela sua visibilidade global. 

Conviria, por isso, não prosseguir com as ‘guerras de campanário’, que podem livrar, temporariamente, Costa e Medina de aflições, mas que não aproveitam a mais ninguém. Muito menos ao país.