Toni Talks

Como bem sabemos, não há espetáculo de Tony Carreira que não esgote ou conversa motivacional de Cristina Ferreira que não seja um fenómeno.

Há uns anos, em abril de 2007, Plácido Domingo cancelou um concerto no Pavilhão Atlântico (hoje Altice Arena), em Lisboa, invocando problemas de voz. Foi o próprio tenor espanhol que, dez minutos depois da hora prevista para o início do espetáculo, subiu ao palco para pedir desculpa ao público presente e comunicar que não tinha condições para cantar, acrescentando que naturalmente o dinheiro pago pelos bilhetes seria devolvido. 

A razão pela qual Plácido Domingo cancelou o concerto 10 minutos para lá da hora foi, porém, outra: o Pavilhão Atlântico estava literalmente às moscas – como eu próprio pude testemunhar, não havia mais que umas poucas centenas de espetadores na enorme e assim fria sala; uma humilhação para aquele que era à época um dos três magníficos do canto lírico masculino (Pavarotti morreria meses depois); os 10 minutos de espera foram de uma ténue expectativa de que a coisa ainda se compusesse, mas debalde, e o tenor foi irredutível na recusa.

A verdade é que não há muitos artistas, nacionais e internacionais, que possam orgulhar-se de assegurar antecipadamente casa cheia no Pavilhão Arena.

Mas há-os.

Como bem sabemos, não há espetáculo de Tony Carreira que não esgote ou conversa motivacional de Cristina Ferreira que não seja um fenómeno.

Tony tem uma legião de fãs de norte a sul do país – que, aliás, já partilha com os filhos.

As ‘Cristina Talks’ são o que são, quer pelos sapatos de umas centenas de euros que fazem chorar a prima donna da nossa televisão, quer pelos seus partenaires – como o anunciado «menino Carlinhos» –, cujas carreiras de sucesso contradizem (ou, porventura, não) a conclusão daquele estudo da OCDE que Maria João Valente Rosa recorda nesta edição (págs. 14-19) segundo a qual um dos gravíssimos problemas da sociedade atual é que os nossos chão e teto são demasiado pegajosos, uma vez que, socialmente, continuamos muito agarrados a um ou ficamos em excesso presos ao outro.

Já de além fronteiras, o melhor exemplo chega-nos do holandês violinista e regente da sua própria orquestra, André Rieu, um verdadeiro artista a fazer render as composições clássicas mais populares e o resto é conversa. 

E os bilhetes voam e as salas enchem-se de público sempre alegre e participativo, sob a batuta, ou melhor sob o arco do violino do ator principal de toda aquela encenação.

Porque o povo gosta é disto. De quem canta, toca, dança ou fala aquilo de que o povo gosta. E paga. E ainda aplaude e agradece. Coladinhos ao chão uns, bem pregados ao teto outros. É o nosso fado.

Passando agora para um tema completamente diferente (ou, porventura, não), esta semana António Costa veio dar mais uma entrevista (a enésima desde que tirou os tapetes aos outros).

Que me perdoem o primeiro-ministro e o seu entrevistador, mas tudo visto e revisto, a conversa não acrescentou absolutamente nada. Quanto muito, serviu para acalmar a família socialista – e do Executivo –, qual discurso motivacional para indefectíveis seguidores.

Mutatis, mutandis, António Costa parecia o líder de um clube de fãs ou guru de uma seita de devotos ou o violinista-regente de um recital com as partituras de sempre, tornando irrelevantes todos os demais membros da orquestra, que nada interessa se desafinam ou sequer se sabem tocar, porque basta que acompanhem o ídolo enquanto o povo aplaude e continua contente, vá lá perceber-se porquê.

Por junto, o objetivo pretendido parece ter-se resumido a tentar pôr uma pedra sobre todos os problemas que estão por resolver e para os quais, pelos vistos, António Costa continua sem solução.

E dar uma imagem de humildade democrática, já que da anterior entrevista – e ainda tão recente – apenas resultara a soberba e a arrogância de quem detentor de uma maioria absoluta inconsequente e sem estratégia.

Mesmo que nem um dia volvido Costa não resista a ignorar os professores em protesto e as perguntas dos jornalistas e lá se vá o efeito da encenação.

Mas lá que é artista, isso é.

Até porque as partituras, independentemente da qualidade dos intérpretes, ajudam muito. Que é como quem diz, as contas, mesmo apesar da inação do Governo, até não estão más. 

E nada mais importa. Nem a falência dos serviços básicos e fundamentais do Estado, nem a pobreza cada vez mais generalizada de um povo sem rumo.

Os ingleses usam muito a expressão money talks, bullshit walks. Por cá, é o António.