Dois países duplamente arrasados

Erdogan tentou afastar as responsabilidades na destruição provocada pelo terramoto, mas oposição não o poupa.

Dois países duplamente arrasados

O número de vítimas mortais do devastador terramoto que atingiu a Turquia e a Síria continua a aumentar a cada dia que passa. Ontem, quinta-feira, aproximava-se já das 20 mil, o que torna este um dos terramotos mais fatais das últimas décadas.

Perante a devastação, o Presidente turco visitou o epicentro do desastre natural e as áreas mais afetadas, como Hatay ou Kahramanmara, onde apelou a um reforço do apoio internacional.

Recep Tayyip Erdogan reconheceu alguns problemas na resposta imediata ao terramoto, no entanto, apelou ao povo para ser paciente e manter-se unido, referindo que, em breve, apesar dos problemas com as estradas e aeroportos, o país será reconstruído e que ninguém terá de ficar a dormir na rua.

«Este é o momento de nos unirmos», apelou Erdogan. 

Mas nem todos estão com vontade de se «unirem» ao Presidente, com a oposição a criticar a falta de preparação para este desastre e a resposta lenta do governo.

«Se há uma pessoa responsável por esta destruição, é Erdogan», disse o líder do principal partido de oposição da Turquia, Kemal Kilicdaroglu, citado pela BBC.

O principal motivo de indignação é um «imposto de terramoto», instaurado em 1999, depois de um terramoto que fez mais de 17 mil mortos. Esta taxa, que gerou cerca de 88 mil milhões de liras (aproximadamente, 4,2 mil milhões de euros) deveria ter sido utilizada para prevenir estes danos. No entanto, «as autoridades nunca especificaram como é que este dinheiro foi investido», apontou Kilicdaroglu.

«Recuso-me a olhar para o que está a acontecer como algo acima da política e alinhar-me com o partido no poder. Este colapso é exatamente o resultado de uma política sistemática mais preocupada com o lucro», disse ainda o líder da oposição.

Erdogan, que anunciou um estado de emergência de três meses nas 10 províncias mais afetadas pelo terremoto, o que significa que terminará pouco antes das eleições de 14 de maio, quando este tentará continuar no poder após 20 anos, pediu aos cidadãos para ignorarem as críticas de «provocadores», acusando-os de «atiçarem a raiva pelo ritmo lento da operação de resgate», cita o Guardian.

«Este é um momento de união e solidariedade. Num período como este, não suporto pessoas que fazem campanhas negativas por interesse político», disse Erdogan, acrescentando que não era possível estar preparado para tal desastre, pode ler-se no jornal inglês, que refere que diversas pessoas «foram presas por publicações nas redes sociais após o terremoto».

Além destas detenções, o Twitter foi restringido, alertou a Netblocks, um serviço de monitorização da internet inglês, com Erdogan a afirmar que os cidadãos precisam apenas de prestar atenção às comunicações de autoridades oficiais.

Missão de resgate complicada

Mais de 16 mil pessoas estão envolvidas nas operações de resgate. As condições climatéricas, com temperaturas baixas e neve, e os danos nas infraestruturas estão a dificultar o transporte de maquinaria pesada, profissionais e apoios.

«A escala do desastre é catastrófica», afirmou a diretora da Síria para o Comité Internacional de Resgate, Tanya Evans, citada pelo Financial Times, acrescentando que os terremotos e réplicas «danificaram estradas, passagens de fronteira e infraestrutura crítica, dificultando severamente os esforços de ajuda».

Preocupações com a Síria

Há ainda preocupações adicionais com a situação da Síria. Diversos funcionários humanitários recordam como este país já se encontrava afligido por uma crise humanitária provocada por quase 12 anos de guerra civil, que deixaram cidades como Aleppo num estado muito semelhante ao provocado pelo violento terramoto. 

Segundo a agência de notícias France-Presse, esta quinta-feira, chegou, pela primeira vez desde que o terramoto deixou a Síria entregue ao caos, um comboio de ajuda à zona noroeste do país, controlada por rebeldes e onde foram registadas mais de mil vítimas mortais.

Segundo um correspondente da AFP, o comboio era composto por seis camiões que carregavam barracas, objetos essenciais e diversos produtos de higiene, enviado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), uma agência do sistema das Nações Unidas liderada pelo português António Vitorino. Trata-se da primeira remessa do Programa Transfronteiriço da organização feita após o terramoto a partir da localidade de Gaziantep, no sul da Turquia.

«Com o apoio dos nossos parceiros locais, a OIM leva cobertores, colchões, tendas e material de abrigo, bem como produtos básicos de emergência, lâmpadas solares e deve cobrir as necessidades de pelo menos 5.000 pessoas», indicou a organização.

Este comboio chegou através da fronteira de Bab al-Hawa, a única passagem de fronteira autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU para entrega de ajuda, o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), escreve o Al Jazeera.

«A operação de ajuda transfronteiriça da ONU foi restabelecida esta quinta-feira», disse a chefe do OCHA na Turquia, Sanjana Quazi, ao meio de comunicação do Médio Oriente. «Estamos aliviados por termos conseguido alcançar as pessoas no noroeste da Síria neste momento urgente. Esperamos que a operação continue, pois esta é uma linha de salvação humanitária e o único canal disponível».

Segundo o Al Jazeera, os futuros comboios que chegarão a esta região terão diferentes tipos de ajuda fornecidos por diferentes agências da ONU, onde estarão incluídos medicamentos e alimentos.

Esta remessa deveria ter chegado desde segunda-feira, revelou um dos trabalhadores da fronteira entre os dois países afetados pelo terramoto, citado pelo Guardian, contudo, o fluxo de ajuda humanitária foi temporariamente interrompido após o primeiro terremoto devido a problemas logísticos e danos à estrada que liga Gaziantep ao centro da ONU em Hatay. As missões de resgate na Síria estão a enfrentar diversos problemas. Apesar de existirem mais de 79 mil equipas de busca na região, um dado avançado pela Autoridade de Gestão de Emergências e Desastres da Turquia (AFAD), citada pelo meio de comunicação do Médio Oriente, «apenas 5% dos locais no noroeste da Síria estão atualmente a ser alvo de operações de resgate».

Além disto, a falta de máquinas pesadas para remover destroços complicou estas missões, assim como as diversas quebras de energia que se têm registado devido à escassez de combustível e às condições climáticas adversas.

«Centenas de pessoas ainda estão sob os escombros. Mas não temos equipamento suficiente para tirá-los», disse o voluntário dos Capacetes Brancos na província de Idlib, Ismail Alabdullah.

A França revelou que vai fornecer ajuda de emergência à população síria no valor de 12 milhões de euros. 

Apesar de ainda não ter anunciado ajudas para a Síria, Portugal revelou que vai enviar uma equipa composta por 53 pessoas para ajudar nos esforços de busca e salvamento na Turquia.

A OMS alertou que até 23 milhões de pessoas podem ser afetadas pelo terramoto e pediu aos países que enviem ajuda com a maior urgência para a zona do desastre. 

Dezenas de países, incluindo os Estados Unidos, China e diversos estados-membros da União Europeia responderam a este apelo comprometendo-se a enviar ajuda e equipes de resgate, assim como equipamento médico, que já começou a chegar por via aérea.