Obrigado, Burger King!

Tínhamos desistido de um passeio à Serra da Estrela quando vimos notícias de que nevara e havia neve com abundância na serra. Vamos, não vamos? Nestes casos, quando se desiste de uma viagem e já nos habituámos à ideia de não ir, é difícil voltarmos a entusiasmar-nos.

Planeámos um passeio em família à Serra da Estrela. Quatro adultos e cinco crianças. Depois de tudo combinado, escolhidas as datas e feitas umas reservas de princípio nos hotéis, constatámos que não havia praticamente neve na serra e tudo voltou para trás. A desilusão foi grande, sobretudo nos miúdos, que nunca tinham visto neve e estavam em estado de grande excitação. Mas há mais marés que marinheiros – concluímos, sem grande originalidade.

Estávamos nisto quando vemos notícias de que tinha acontecido um nevão e havia neve com abundância na serra. Vamos, não vamos? Nestes casos, quando se desiste de uma viagem e já nos habituámos à ideia de não ir, é difícil voltarmos a entusiasmar-nos. Mas foi o que aconteceu. Um dos adultos mostrou grande vontade de ir, arrastou os outros, não disse nada às crianças para não provocar novas desilusões, reativou as reservas nos hotéis – e lá partimos.

As coisas combinadas em cima da hora são às vezes as que correm melhor. Na primeira noite dormimos na Urgeiriça, num hotel esplêndido fundado por ingleses onde nos anos 50 esteve hospedada Christine Garnier, uma jornalista francesa por quem Salazar se deixou apaixonar. Foi um bom começo. No dia seguinte viajámos para Seia, ficámos hospedados no Camelo, que começou como um restaurante (estupendo) no centro da vila, depois mudou de local, para uma zona mais nova, e finalmente deu origem a um hotel. Paradoxalmente, hoje o hotel está aberto mas o restaurante fechado – por falta de pessoal. Ironias do destino.

Seia foi a base de partida para o passeio na serra. Quando entrámos na estrada que dá acesso à Torre, vimos gelo na berma: era um bom sinal. E depois começámos a ver pedaços de neve dispersa nas zonas sombreadas, que iam aumentando à medida que subíamos. Quando nos aproximámos da Torre, havia extensas zonas brancas. E por cima um céu azul, sem uma nuvem, onde brilhava um sol radioso. Melhor dia não podíamos ter escolhido.

A parte má é que muitos outros haviam tido a mesma ideia – e tivemos de ir uma hora em fila compacta até ao local onde estacionámos o carro.

Não vale a pena contar as peripécias na neve: são sempre iguais. Estivemos dois dias na região, visitámos a Guarda, fomos a Celorico ao Solar do Queijo da Serra, subimos a Linhares da Beira – uma bela aldeia histórica encarrapitada em cima de um monte –, e ao quarto dia regressámos a Lisboa. Era o dia do meu aniversário – um número redondo – mas não tenho por costume fazer grandes festejos.

O almoço seria em viagem. O meu filho Zé conhecia um restaurante em Fátima, uma casa de leitão ao pé de uma rotunda, e foi para aí que apontámos. Partimos de Seia às 14h00, calculámos que seria uma hora e meia de viagem, pelo que chegaríamos por volta das 15h30. Era um bocado tarde para almoçar, mas valeria o sacrifício.

Arrancámos. Primeiro, estradas de serra. Depois uma via rápida. Pensei que fosse logo ali ao virar da curva, mas não era. Andámos, andámos, andámos – a estrada parecia não ter fim. Depois mais um pedaço de estrada de serra e outra vez uma via rápida. Passaram as 15h30, as 16h00, as 16h30, e nada. Até que, pelas 16h45, entrámos finalmente em Fátima. Demos logo com a dita rotunda e encontrámos lugar mesmo em frente do restaurante. Estávamos com sorte. O pior viria a seguir: à entrada da porta, um letreiro anunciava: «Leitão esgotado. Nova fornada às 17h30».

Não queríamos acreditar! Depois daquelas horas intermináveis na estrada, sonhando com o almoço que nunca mais chegava, o oásis revelava-se uma miragem! Eu sentia o estômago colado às costas e desfalecia.

Nem forças havia para pensarmos lucidamente no que fazer. Esperar até às 17h30 era impensável. Podíamos ir buscar o leitão depois, para comer ao jantar, mas antes havia que encontrar um sítio para mastigar alguma coisa. Àquela hora, porém, não haveria nenhum restaurante aberto; só poderia ser um café, uma pastelaria, comeríamos umas sandes.

Reunimo-nos em assembleia para tomar uma decisão. E nisto alguém olhou à volta e exclamou: «Olha, um Burger King!». Ali a uns 100 metros um letreiro assinalava a sua presença. As crianças deliraram. E ninguém pensou duas vezes: metemo-nos no carro e voámos para lá.

O almoço do meu dia de anos teve, pois, lugar no Burger King de Fátima – e devo dizer que me soube esplendidamente. Eu que, há uns meses, fiz um artigo a lamentar a morte anunciada da cozinha tradicional portuguesa – que perde terreno para as pizzas, os hamburgers e o sushi –, via-me ali deliciado a comer um hamburger.

Em relação aos outros restaurantes, os fast food têm uma vantagem que não é de desprezar: estão sempre abertos e a comida nunca acaba. Não corremos o risco de bater com o nariz na porta ou chegar lá e dar com um letreiro a anunciar: «Hamburgers esgotados». Por isso, digo: ‘Obrigado, Burger King’. Foi o que salvou o meu almoço de aniversário.