De pernas para o ar

Se o PSD abrir a porta a um acordo, muitos eleitores em próximas eleições acharão que tanto podem votar no PSD como no Chega para afastar o PS do poder.

Quando André Ventura surgiu na vida política e foi rotulado de ‘fascista’, ‘xenófobo’, ‘racista’, etc., alguns comentadores evitavam sequer proferir o seu nome.

Recordo-me também de um debate na TV sobre o futuro da direita, onde estavam representantes do PSD, do CDS e da Iniciativa Liberal, para o qual o Chega não foi convidado…

No Parlamento, António Costa não respondia às perguntas que André Ventura lhe fazia, ignorando-as ostensivamente.

Estes tempos, hoje, já parecem muito longínquos.

Há debates televisivos onde apenas se fala do Chega, e Costa protagoniza com Ventura alguns dos momentos mais vivos dos debates parlamentares.

Um destes dias, n’O Princípio da Incerteza, Pacheco Pereira, Lobo Xavier e Alexandra Leitão passaram praticamente todo o programa a discutir o Chega.

E a conclusão foi unânime: o PSD não pode admitir qualquer acordo com o Chega, tem de o rejeitar liminarmente.

O Chega é «xenófobo e racista» (Pacheco tirava-lhe o ‘fascista’) e uma aliança com ele é inaceitável.

Além disso, se o PSD abrir a porta a um acordo, muitos eleitores em próximas eleições acharão que tanto podem votar no PSD como no Chega para afastar o PS do poder.

Ora, o PSD tem de ‘forçar’ os eleitores não socialistas a concentrarem nele os seus votos – e isso só acontecerá se Montenegro disser preto no branco que um entendimento com o Chega está absolutamente fora de questão.

A própria Alexandra Leitão, militante de um partido que se aliou à extrema-esquerda para chegar ao poder, secundava aquele argumento sem se torcer na cadeira.

Claro que é isso que os socialistas querem, para se eternizarem no Governo.

Mas é isso que interessa ao PSD?

Interessa ao PSD dizer que em caso algum se entenderá com o Chega e que rejeitará mesmo o seu apoio?

Interessa ao PSD fechar definitivamente essa porta?

É óbvio que não interessa.

E a razão é evidente: por muito otimistas que os sociais-democratas sejam quanto a um bom resultado eleitoral, têm sempre de admitir que podem precisar dos deputados do Chega para formarem uma maioria alternativa ao PS.

E, assim sendo, têm de manter essa porta entreaberta.

Têm de fazer a sua campanha, apresentar as suas ideias, mostrar que são a principal alternativa ao Governo socialista – mas não podem fazer do Chega o inimigo principal nem dizer ‘desta água não beberei’.

Isso poderia significar a eternização do PS no poder, mesmo sem maioria absoluta.Só não vê isto quem não quer.

Nos últimos dias, rebentou uma polémica sobre a imigração, que vai ser decisiva sobre a divisão entre esquerda e direita.

A esquerda defende uma política de portas abertas, que Ventura contesta desde sempre e que Moedas e Montenegro, pela primeira vez, puseram em causa.

Marcelo envolveu-se na questão, sugerindo que estariam a copiar o Chega e a aproximar-se da extrema-direita.

Ora, o Presidente está a ver mal o problema.

É a política de portas abertas que está a provocar o crescimento da extrema-direita na Europa.

Em Espanha, em França, em Inglaterra, na Alemanha, na Holanda, na Bélgica, na Suécia, os confrontos raciais com imigrantes multiplicam-se e a extrema-direita cresce.

Uma pessoa amiga que vive na Alemanha, na zona da Renânia do Norte-Vestfália, diz que só ali existem cerca de duas dezenas de mesquitas; ora, isto é um barril de pólvora pronto a explodir a qualquer momento.

O modo de parar o crescimento da extrema-direita não é meter a cabeça na areia: é encarar com olhos de ver este problema e procurar solução para ele.

Se não se controlarem os fluxos migratórios, a Europa tornar-se-á dentro de poucos anos um campo minado.

O PSD parece agora começar a perceber isto.

Outro tema ‘inconveniente’ é o nacionalismo.

Na guerra da Ucrânia, percebemos a sua importância: é o que dá forças aos ucranianos para resistirem aos russos.

E qualquer criança, noutro plano, sabe o que isso é, ao vibrar com as vitórias da Seleção Nacional e sofrer com as suas derrotas.

É algo que não se ensina, que está na massa do sangue.

Ora, o Bloco de Esquerda, com a conivência dos partidos do sistema, deu um formidável tiro no pé ao atacá-lo diretamente.

Ao diabolizar os Descobrimentos – que são o nosso principal património histórico –, apresentando-os como um vulgar ato de banditismo o BE ofendeu o orgulho nacional e magoou muita gente.

Os resultados estão à vista: o Bloco tem caído a pique e o Chega, com o seu discurso patriótico, tem subido sempre.

Nesta matéria, só tenho uma dúvida: caso haja uma maioria de direita, o Chega terá vantagem em apoiar o Governo? Ou isso queimá-lo-á, como aconteceu com o PCP e o BE na ‘geringonça’?

A principal questão, portanto, não se coloca ao PSD – coloca-se ao Chega.

Não será o PSD a dizer que não quer nada com o Chega – será este a ponderar se lhe interessa mais apoiar um Governo do PSD ou continuar como partido de protesto.

A maioria dos analistas tem visto o problema de pernas para o ar.