Crianças com duas casas: o novo normal

A separação dos pais não é a situação ideal, mas há várias formas de minimizar as consequências negativas que esta situação pode causar nas crianças

Uma das consequências da pandemia e do confinamento foi um número recorde de divórcios. Em 2020, o ano do maior confinamento, houve 91,5 divórcios em cada 100 casamentos, que se traduziram em 17.295 casos. E não nos esqueçamos que neste número não estão contemplados os casais que se separaram sem estarem formalmente casados.

Embora a pandemia tenha levado muitas casas ao limite, esta tendência já vinha de trás. Por exemplo, em 2011 e 2012 chegou-se quase aos 75 divórcios por cada 100 casamentos.

Há inúmeras razões para este galopar de vidas que não se conseguem manter juntas e que levam a que os mais pequenos tenham de aprender a dividir-se entre duas casas. Na verdade, eles são muitas vezes – a par das questões financeiras – o laço que evita o divórcio, porque os pais receiam que a separação traga implicações às suas vidas, embora por vezes o clima conflituoso possa ser ainda mais nocivo do que a própria rutura.

A separação dos pais não é a situação ideal, mas há várias formas de minimizar as consequências negativas que esta situação pode causar nas crianças.

Acima de tudo é importante clarificar, se possível numa conversa entre todos, que o que terminou foi o namoro ou o casamento entre os pais – sem grandes pormenores, porque a criança nem sequer tem maturidade para entender -, mas que o amor que ambos têm pelos filhos não sofreu alterações. É fundamental que as crianças não se sintam culpadas e que não sejam feitas alianças com os filhos contra o ex-companheiro. Que não haja quezílias, vinganças ou competição. Os filhos não ganham absolutamente nada em saber quem é a vítima ou o culpado, caso os haja. Esses desabafos devem ser guardados para outros familiares, amigos ou especialistas.

Embora estas situações possam trazer tristeza, insegurança ou ansiedade, a maior parte das vezes o que é mais negativo para a criança não é a separação dos pais em si, o facto de não voltarem a viver todos na mesma casa, de não estar com os dois ao mesmo tempo ou de passar a ter uma casa nova. Mas sim – além das situações lamentáveis em que um dos pais impede o outro de ver o filho – os comentários rancorosos, o ‘tirar nabos da púcara’, os recadinhos para cá e para lá, as entrelinhas… Todo um discurso que passa a ser de ódio em vez de ser de amor, que é estranho em vez de ser claro, de rutura em vez de ligação. As desavenças entre o casal só ao mesmo dizem respeito e é importante que os filhos fiquem fora delas, tanto em caso de divórcio como de casamento. Há péssimos cônjuges que são excelentes pais e não faz sentido envenenar uma relação saudável por causa de uma outra que não funcionou.

Acima de tudo, o mais importante é que os filhos continuem a sentir-se amados e queridos por ambos. E que consigam manter a rotina, se possível a casa, a escola, as atividades e os amigos – numa palavra, a estabilidade. Que não sintam que deixaram de ter lugar na vida de um dos pais. Que tudo seja claro, sem zonas obscuras ou que causem confusão. Que lhes seja dada a oportunidade de tomarem decisões e de mostrarem aquilo com que se sentem ou não confortáveis.

Idealmente um ‘bom divórcio’ seria aquele em que os pais conseguem continuar amigos, manter uma relação saudável e a ideia de família, embora com vidas separadas. Nem sempre é possível que seja tudo tão cor-de-rosa, mas é bom que não percam de vista o supremo interesse da criança, que as suas desinteligências não se sobreponham aos filhos, que precisam do amor e da presença de dois adultos saudáveis para se desenvolverem com alegria e segurança.