O caso que envolve Fernando Medina e o empresário Joaquim Morão é provavelmente muito mais grave do que se supõe.
Em si própria, a história é incompreensível.
Joaquim Morão é um ex-autarca de Castelo Branco, socialista, amigo de José Sócrates, considerado então por Jorge Coelho o melhor presidente de câmara do país, mas que tinha como sócio e braço-direito um empresário, António Realinho, que viria a ser condenado a quatro anos e meio de prisão por burla e falsificação.
Em 2015, Fernando Medina convidou Morão para consultor na gestão das obras públicas em Lisboa.
O convite era estranho: ele nunca desempenhara tal função, e além disso tinha vários compromissos em Castelo Branco que o impediam de se mudar para Lisboa, ou mesmo de lá se deslocar com frequência.
Tornava-se claro que o motivo invocado não era o verdadeiro.
O móbil do convite era outro.
Mas havia mais: Morão tinha várias incompatibilidades que não lhe permitiam ocupar esse cargo, sendo preciso encontrar um expediente para as iludir.
E, finalmente, a sua contratação foi feita através de um concurso fictício, montado para o efeito.
Ora, custa a perceber como pôde Fernando Medina, um homem avisado, embarcar nesta tremenda trapalhada, cheia de irregularidades fáceis de detetar.
Como pôde empenhar-se numa contratação sem pés nem cabeça, que não fazia sentido e para a qual foi necessário violar a lei.
Medina dispõe de mais de 14 mil funcionários na CML, entre os quais centenas de técnicos, e entre eles haveria certamente alguém que fizesse aquele papel, porventura com mais competência.
Interpelado sobre o assunto, Fernando Medina não foi capaz de se defender.
Não conseguiu explicar a lógica da contratação, embora reconhecendo que foi ele que fez o convite.
Em sua defesa, só alegou que não cometeu ilegalidades, pois não elaborou o contrato.
Ora isso era óbvio: não é o presidente da câmara que trata da burocracia da contratação de um funcionário – essa é uma função dos serviços.
O que interessa é quem deu a ordem aos serviços; e aí não há dúvidas de que foi ele.
Mas se o motivo da contratação não foi o invocado, qual poderia ter sido?
Só vejo duas hipóteses: um ‘esquema’ de favorecimento pessoal ou de financiamento partidário.
Inclino-me mais para a segunda hipótese.
E de quem terá partido a iniciativa: do próprio Fernando Medina ou doutra pessoa?
Fernando Medina foi o autor do ‘esquema’ ou apenas o executor de uma ordem vinda de outro lado?
Provavelmente, foi o executor de uma ordem vinda de cima.
Aliás, o modo atabalhoado como reagiu, dá ideia de que não se sente nada à vontade neste imbróglio.
Sente-se apanhado numa curva que não constava do seu percurso.
E isso aconteceu como e porquê?
Quando assumiu a presidência da CML, Fernando Medina recebeu, como sucede sempre, um conjunto de pastas do seu antecessor.
Há sempre assuntos que passam de umas administrações para outras, ainda mais quando são do mesmo partido.
Ora, quem foi o antecessor de Medina na CML?
António Costa.
Eventualmente, António Costa deixou questões em aberto que Medina ficou encarregado de concretizar.
E uma delas podia envolver exatamente Joaquim Morão.
Recorde-se que a sua contratação foi feita em 2015, ou seja, logo após a saída de Costa da Câmara.
Faz todo o sentido, pois, que ela tenha resultado de uma herança de António Costa.
E ainda mais se nos lembrarmos de que, depois da derrota em Lisboa em 2022, Costa convidou logo Fernando Medina para o Governo.
Na altura achou-se que era um prémio de consolação pela derrota eleitoral.
Mas quem nos diz que não foi mais do que isso?
Quem nos diz que não há entre os dois uma cumplicidade que vai para lá do companheirismo partidário?
Assim, esta história que parece atingir Fernando Medina – que, se for constituído arguido, tem de sair do Governo –, pode atingir muito mais alto.
Pode atingir o próprio primeiro-ministro.
Ignoro qual foi o ‘esquema’ montado – embora, como disse atrás, me incline para um financiamento partidário.
E, se foi isso, ainda seria mais natural ser o líder do partido a dar a ordem.
E também explicaria o facto de Morão ter denunciado tão facilmente Medina: seria o modo de proteger António Costa.
Enfim, todas as peças do puzzle encaixam; mas a palavra final compete à Polícia.
Por agora, o que podemos dizer é que:
1. Fernando Medina fez uma contratação sem pés na cabeça, certamente para esconder outro objetivo.
2. A contratação, por tão absurda, terá resultado do pedido de alguém.
3. O antecessor de Medina na CML era António Costa, e o contrato foi feito logo após a sua saída.
4. Mal Medina saiu da CML, Costa ofereceu-lhe um lugar no Governo.
Fernando Medina pode vir a ser obrigado a demitir-se, pela prática de irregularidades formais.
Mas compete à Polícia descobrir o esquema que estaria por trás dessas irregularidades.
E quem o ordenou.