O casal perfeito

Tal como numa empresa, as tarefas num casal devem estar bem definidas. A ideia de que os dois membros do casal ‘façam tudo’ causa desgaste na relação e acaba por provocar discussões desnecessárias.

Um destes dias vi na TV um programa sobre os casais modernos e o modo como devem funcionar. Entrevistaram muita gente, mulheres e homens, entre os quais o expert Júlio Machado Vaz. Pela convicção e segurança com que todos falaram, devem todos ter casamentos perfeitos. Sabem tudo sobre o assunto. Só faltou um padre a dizer como os casais se devem comportar na cama, quantas relações devem ter por semana e quais as posições mais corretas.

Basicamente, todos disseram que, num casal, todos devem fazer tudo. Tratar das crianças, fazer a comida, limpar e aspirar a casa, etc. Júlio Machado Vaz criticou as mulheres que dizem «o meu marido ajuda», pois isso já supõe uma relação de submissão. Se o marido ‘ajuda’, é porque a responsabilidade principal é da mulher. Ora isso está errado.

 

Discordo em absoluto daquela forma de ver o quotidiano de um casal. 

Logo à partida, nem todos podem fazer tudo, pois os homens não podem ter filhos nem dar-lhes de mamar. Assim, nos primeiros meses de vida, a relação do bebé é quase exclusivamente com a mãe. O pai pode ‘ajudar’, mas não pode fazer muito mais.

E depois, a melhor forma de um casal funcionar é haver divisão do trabalho. Dirão que é uma conversa da treta, pois a ‘divisão de tarefas’ acaba sempre com a mulher a fazer quase tudo em casa. Ora, não é necessariamente assim. Conheço casais onde há divisão do trabalho e o marido desempenha boa parte das tarefas domésticas: cozinha, leva os filhos à escola, aspira a casa. Mas todos fazerem tudo causa desgaste na relação e acaba invariavelmente por provocar discussões desnecessárias. «Olha, hoje é o meu dia de fazer o jantar mas estou muito cansado. Não te importas de ser tu a fazê-lo?». «Por acaso também estou estafada… Tive um dia esgotante. Tem paciência, mas é o teu dia e tens mesmo de ser tu a fazer».

Claro que o homem vai fazer o jantar contrariado e provavelmente não dirão uma palavra um ao outro durante a refeição. 

Tal como numa empresa, as tarefas num casal devem estar bem definidas. Por exemplo, um trata das crianças e limpa a casa, o outro cozinha e faz as compras. O estabelecimento de rotinas é importante, porque cada um sabe de antemão o que tem de fazer, predispõe-se a isso, sabe aquilo de que precisa para desempenhar as tarefas, e a repetição torna estas mais fáceis de executar. Tal e qual como numa empresa – onde cada empregado tem um trabalho definido, sabe o que lhe compete fazer e não anda todos os dias a mudar de função. 

 

Nos casais com muitos filhos, as coisas colocam-se doutro modo, pois torna-se quase impossível os dois terem emprego. As tarefas dentro de casa são imensas, é preciso fazer pequenos-almoços, levar e buscar os filhos às escolas, muitas vezes fazer almoços, dar o lanche às crianças, ajudá-las no estudo, dar-lhes banho, tratar das roupas, fazer a lista de compras no supermercado, enfim, uma carga de trabalhos.

Por isso, as feministas detestam as famílias numerosas. E algumas até fazem campanhas para as mulheres não terem filhos. Consideram as tarefas domésticas pouco nobres, pouco dignas, até estupidificantes. Mas será mais nobre estar num escritório sentado à secretária das nove às cinco a preencher papeis muitas vezes inúteis? Será isto mais digno, mais nobre, mais exaltante?

E será mais fácil a vida de um operário que passa o dia a carregar baldes de cimento numa obra do que a da mulher que fica em casa a tratar dos filhos?

 

Esta discussão não tem fim. Vive-se uma fase de afirmação das mulheres, o que é louvável, mas neste processo nem sempre impera o bom senso. Diz-se que mulheres e homens são iguais, o que é obviamente um disparate. Quererão dizer que ‘têm direitos iguais’, o que é diferente. Mal de nós quando homens e mulheres forem iguais. Acaba-se a atração, acaba-se a sedução, acaba-se a procriação, acaba-se a raça.

Termino a dizer que neste assunto tenho alguma experiência. Não sou um teórico: sou casado há décadas. Falo com conhecimento de causa. E já assisti de perto a muita coisa. Os meus pais formavam um casal moderno, ambos intelectuais, ambos com cursos superiores, com ideias avançadas – e o seu casamento não durou nada. 

Há uma palavra essencial na relação de um casal: respeito. Respeito não só pela pessoa do outro mas também pelo seu espaço, pela sua liberdade, pela sua intimidade. Toda a gente precisa de um espaço que é só seu.

Isto é a base de tudo. Depois, nas tarefas domésticas, a regra deve ser a divisão do trabalho, se possível respeitando as preferências de cada elemento do casal. Pode ser o homem a fazer as tarefas tradicionalmente desempenhadas pelas mulheres e vice-versa. Mas que as responsabilidades estejam bem definidas. 

O resto pode ficar entregue à maneira de ser e à imaginação de cada um.