Património, vende-se! E o que falta alienar?

É difícil encontrar um racional para que, em 2023, Lisboa tenha uma enorme penitenciária (e antigas áreas militares próximas) numa das zonas mais caras da capital, no alto do Parque Eduardo VII.

O Estado é proprietário de milhares de imóveis por todo o território nacional, cuja gestão tem sido criticada nas últimas semanas. Perante o problema grave de inexistência de habitação disponível – que se agudizou de forma dramática, nos últimos anos, para as classes média e média baixa –, o executivo de António Costa tomou medidas que têm gerado polémica, em especial no que respeita à propriedade privada. O assunto envolve outros órgãos de soberania como a Assembleia da República e muita tinta vai ainda ser escrita sobre os efeitos das propostas no setor privado e sobre a má gestão do património do próprio Estado.

É neste quadro que o Governo anunciou, a 10 de março, a decisão de alienar, em Lisboa, os edifícios da secretaria geral da Presidência do Conselho de Ministros (R. Gomes Teixeira, Santo Condestável), o Ministério da Economia e do Mar (perto do largo Camões, Chiado), Ministério da Saúde (Avenidas Novas) e as instalações do Ministério da Educação (avenidas Infante Santo e 24 de julho, além do já anunciado uso do edifício da 5 de outubro para residência de estudantes). Estes edifícios estão avaliados em cerca de 600 milhões de euros e terão uso habitacional. A esta lista apresentada pela ministra Mariana Vieira da Silva, poderíamos juntar imóveis no centro de Lisboa que há muito não têm uso nem não rentabilizados.

Na área da Defesa, basta olhar para quartéis quase inutilizados. Por exemplo, as instalações do Regimento de Cavalaria (ou Lanceiros 2), perto do palácio presidencial, na calçada da Ajuda. O quartel do regimento de Transportes (antigo Rallies), na entrada norte de Lisboa, ocupa um espaço enorme para uso diminuto e pouco estratégico. O Depósito de material aeronáutico da Força Aérea, em Alverca (junto à OGMA e a uma enorme pista de aviação), está quase vazio há anos e poderia dar apoio a um aeroporto para cargas, jatos e manutenção, libertando espaço na Portela, enquanto não se decide a localização do novo aeroporto de Lisboa. Também no concelho de Vila Franca de Xira, as antigas e enormes instalações da Escola da Armada estão em quase abandono há largos anos, mas a câmara municipal (agora dona do imóvel) já decidiu que vai vender o enorme espaço, à beira Tejo.

Na área da Justiça, é difícil encontrar um racional para que, em 2023, Lisboa tenha uma enorme penitenciária (e antigas áreas militares próximas) numa das zonas mais caras da capital, no alto do Parque Eduardo VII. Ao lado, estão os edifícios da Justiça, cujos serviços foram transferidos, no governo Sócrates, para o Campus de Justiça no Parque das Nações. Este complexo moderno é arrendado pelo Estado a um fundo imobiliário estrangeiro, por mais de 12 milhões de euros ao ano até 2026. O contrato tem um prazo de 20 anos, foi inaugurado em 2008 e a renda mensal atual ronda 1,2 milhões de euros. De acordo com cálculos de 2016, se o Estado rescindisse, teria de pagar ao fundo 170 milhões de euros.

O presidente da Câmara de Lisboa afirmou, na entrevista da última edição do Nascer do SOL, que há duas mil casas (habitações) devolutas e explicou o plano para realojar e construir novas casas. Quantos autarcas estão disponíveis para partilhar estes dados, com transparência? Depois dos exemplos nas áreas da Defesa e da Justiça, poderíamos apontar mais casos, por todas as antigas capitais de distrito, de edifícios públicos – inativos ou com uso ineficiente – que poderiam ser geridos pelo Estado com sentido de Estado. A lista de imóveis em poder do ministério das Finanças é um dossier obscuro com décadas de respostas por dar a perguntas de jornalistas (recordo reportagens que fiz na SIC e na RTP, nas décadas de 1990, 2000 e 2010, mas há outras situações reveladas noutros media), a não ser quando há polémicas sobre valores de imóveis vendidos em hasta pública. Há um ano, o Estado tinha divulgado um documento de 50 páginas com a listagem de 717 imóveis inativos ou devolutos, sob alçada de ministérios e outras entidades públicas como a Estamo – Participações Imobiliárias (criada em setembro de 1993), a Parpública (que gere as participações do Estado no setor empresarial) ou as regiões autónomas e os municípios que não podem continuar a fingir que a culpa é só do Terreiro do Paço.

Quando um dos maiores problemas transversais a todas as regiões e classes sociais é o acesso a habitação a preços aceitáveis (e não preços que refletem uma prolongada e surreal onda especulativa), há muito por e para fazer. Seja qual for a cor partidária do Governo, todavia, é de saudar atos de gestão de bom senso como o do anúncio de venda de imóveis ocupados por ministérios, em Lisboa (decisão com largos anos de atraso), assim como é de registar a decisão política e financeira de reunir num só edifício central (atualmente ocupado pela CGD), perto do Campo Pequeno, a maioria dos ministérios e secretarias e Estado que têm estado espalhados pela capital. A operação deverá custar cerca de 40 milhões de euros e gerar poupanças de 800 mil euros por ano, só em rendas pagas pelo Estado.

Segundo a ministra Vieira da Silva, «haverá ganhos que resultam da concentração de serviços, com a maximização de serviços comuns e partilhados, designadamente com viagens que deixarão de ser realizadas». Esta lógica de sinergia permitirá maior coordenação política e institucional e também uma reformulação no modo de funcionamento de direções-gerais e dos pequenos poderes existentes em cada ministério que gastam tempo e dinheiro a gerir gabinetes, estacionamentos e economato. Apesar das boas intenções no setor público, convirá recordar que, também no setor privado, há empresas que até juntam (ou juntaram) departamentos e marcas diferentes no mesmo edifício e nem por isso houve maior articulação e convergência entre as pessoas. Isto é, não basta vender e juntar serviços; é preciso ter estratégia e visão para saber o que se faz com o património.