Igreja. A ausência de líder

Quem manda na Igreja é o Papa. De resto, em Portugal, há 21 bispos com iguais poderes. D. José Ornelas garante ao Nascer do SOL que ainda não decidiu se aceitará ser reconduzido no cargo de presidente da CEP: ‘Podem continuar a apostar no totoloto que eu é que vou decidir’.

Igreja. A ausência de líder

Tudo ao molho e fé em Deus, talvez seja a melhor expressão para definir o momento conturbado que se vive na Igreja Católica portuguesa. Apesar de não existir uma Igreja portuguesa, com uma hierarquia em pirâmide – o topo cabe sempre ao Papa -, todas as 21 dioceses têm o mesmo poder e daí cada bispo seguir o que lhe vai na alma.

Apesar de estarem todos em pé de igualdade, há três categorias que têm mais poder, digamos, simbólico, e a ‘luta’ por essa posições está ao rubro. O lugar mais apetecido, pela tal questão simbólica, é o de bispo de Lisboa, que, por inerência do cargo, poderá ser nomeado cardeal patriarca – segundo a tradição, o Vaticano só nomeia dois cardeais da mesma diocese quando o emérito atinge os 80 anos, até para que não votem os dois numa eventual nomeação de um futuro Papa, embora Francisco seja um reformador e possa acabar com essa tradição. E aqui entram dois nomes na liça, que dividem profundamente as diferentes alas da instituição: D. Américo Aguiar, auxiliar de Lisboa, responsável pela Jornada Mundial da Juventude, homem forte da Rádio Renascença e capelão dos bombeiros, entre outras funções, e D. Francisco José Vilas Boas Senra de Faria Coelho, arcebispo de Évora e um dos homens que mais rapidamente respondeu ao relatório da Comissão Independente responsável pela lista dos padres suspeitos da prática de abusos sexuais.

Ambos têm apoiantes e detratores. D. Américo Aguiar, de 49 anos, é considerado o grande fazedor, mas, dizem aqueles que não simpatizam com o seu estilo, que tem «pouco tempo para as questões espirituais», que é como quem diz, pouco tempo para se dedicar à fé, tantas são as solicitações a que ocorre. Fala pessoalmente com o Presidente da República, o primeiro-ministro, além de reputados empresários e dirigentes desportivos. É comum vê-lo na bancada do Dragão ao lado ou na fila detrás de Pinto da Costa. Tem ainda procurado que a Igreja fale a uma só voz, mas isso tem-lhe trazido dissabores, já que os tais ‘inimigos’ perguntam onde é que «andou nos últimos tempos e qual foi a última missa que deu». Já foi autarca, eleito pelo PS, e é visto como um dos rostos da renovação da Igreja. Mas, como diz o ditado, quem anda à chuva, molha-se, e, segundo várias fontes eclesiásticas, os mais conservadores não lhe perdoam o excesso de mediatismo e o facto de não se mostrar publicamente solidário com os seus pares. Por várias vezes já se distanciou do seu chefe hierárquico, D. Manuel Clemente, e isso não é bem aceite, embora na dita sociedade civil receba aplausos pela frontalidade em relação ao relatório da Comissão Independente.

Já o arcebispo de Évora, D. Francisco José Vilas Boas Senra de Faria Coelho, que fez esta semana 62 anos, tem ganho apoiantes, até pela sua discrição, além de falar mais para dentro da Igreja do que para fora. Tem contra si o facto de pertencer à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, «uma associação de clérigos intrinsecamente unida à Prelatura do Opus Dei. Tem como finalidade fomentar a santidade dos sacerdotes seculares no exercício do seu ministério ao serviço da Igreja», segundo se pode ler no site da Obra.

Para uns, D. Américo Aguiar estará mais próximo do que pretende o Papa Francisco da abertura da Igreja à sociedade nas tais questões fraturantes, como seja o casamento dos padres, a ordenação de mulheres, a bênção de casais homossexuais; para outros, D.  Francisco Coelho conseguirá fazer melhor a ponte entre as duas correntes, leia-se conservadores e progressistas, pois o Opus Dei aceitará sempre o que sair do processo sinodal, que termina em 2024, onde se decidirá o futuro da Igreja.

Os outros dois nomes mais falados são D. Nuno Brás Martins, bispo do Funchal, e Virgílio Antunes, de Coimbra. Como a nomeação do futuro bispo de Lisboa não passará por uma votaçãos dos bispos portugueses, será o Papa Francisco que escolherá um dos três nomes que o Núncio Apostólico, o equivalente ao embaixador do Vaticano em Lisboa, lhe entregará. Pouco importará as simpatias ou anticorpos que cada um tem, pois Ivo Scapolo ‘só’ terá a função de levar os três nomes para o Vaticano decidir quem será o próximo homem forte da diocese de Lisboa.

D. José Ornelas poderá recandidatar-se… ou não

Como já se disse, não existe uma Igreja Portuguesa, mas sim 21, tantas são as dioceses, todas com o mesmo poder. Como tem sido a Conferência Episcopal Portuguesa (CEF) a dar a cara nas questões dos abusos sexuais dos padres, até porque foi a CEP que encomendou e pagou o estudo à Comissão Independente, é natural que D. José Ornelas tenha saltado para as primeiras páginas dos jornais. Criticado até pelo Presidente da República pela conferência de imprensa que deu depois de ter recebido o relatório, D. José Ornelas tem tentado explicar o que correu mal na comunicação, mas os seus adversários não o têm poupado. Esta semana foi notícia que  D. José Ornelas não será reconduzido à frente da CEP, dando-se como garantido que abandonará a ‘liderança’ dos bispos. Mas parece que a notícia da ‘morte’ de D. José Ornelas à frente da CEP é manifestamente exagerada, como explica o próprio ao Nascer do SOL. «Qualquer coisa que esteja a ser dita em relação a mim, sobre se vou ficar ou não na CEP, agora que estou a chegar ao fim do primeiro mandato, é prematuro, mas podem continuar a fazer o totoloto. No próximo mês haverá eleições e até posso ser reeleito, mas a decisão final será minha. Qualquer outra decisão ilusória de que se esteja a falar, não passa disso mesmo». 

Aqui, na CEP, são os bispos que decidem quem será o seu representante e deverá andar à volta de 45 votantes. A CEP é a entidade «representativa da Igreja em Portugal, em conformidade com os seus objectivos» e «goza de personalidade jurídica pública, pelo próprio direito, com capacidade para adquirir, possuir, administrar e alienar bens».  No fundo, tem como objetivo articular e coordenar as diferentes dioceses, embora seja, atualmente, uma tarefa tão difícil como um rico entrar no reino dos céus.

‘Terceiro’ poder

Se ficou claro que ninguém manda mais do que ninguém na Igreja portuguesa, existe, no entanto, ainda um terceiro ‘organismo’, que dá pelo nome de Províncias Eclesiásticas, que estão divididas em três: Lisboa, Braga e Évora. São os arcebispos destas três províncias que, por exemplo, dizem quanto custa um batismo, um casamento ou uma missa pela alma   de alguém. No caso de alguma diocese estar sem bispo, compete ao arcebispo ou cardeal, no caso o de Lisboa, tomar as decisões inerentes a essa diocese. Um exemplo prático: Setúbal não tem bispo e os próximos seminaristas que forem ordenados terão de o ser pelo bispo de Lisboa. E assim vai o reino da Igreja portuguesa. 

*com Felícia Cabrita