No domingo passado, ao ligar de manhã o televisor, ouvi com estupefação Marcelo Rebelo de Sousa dizer que a Igreja Católica tinha de suspender os padres suspeitos de abusos sexuais.
Adiantou o Presidente da República: isto «é uma questão tão óbvia, de prevenção e tomada de medidas cautelares para acautelar possíveis novas vítimas», que obrigará «a que se faça aquilo que num primeiro momento, incompreensivelmente, não se fez».
E isto foi dito sem hesitações, com extrema contundência.
O puxão de orelhas teve eco – pois, dois dias depois, a Conferência Episcopal, pela voz do bispo D. José Ornelas, veio corrigir o que tinha afirmado antes.
«Valeu a pena!» – dirá a maioria.
Eu acho que entrámos por um caminho muito complicado.
É ao Presidente da República que compete dizer o que a Igreja deve e não deve fazer?
Não vivemos num país laico, onde deve existir uma clara separação entre a Igreja e o Estado?
Se Marcelo Rebelo de Sousa se abstém de criticar decisões judiciais, invocando a separação de poderes, não deveria por maioria de razão recusar-se a comentar ações ou omissões da Igreja Católica?
Dir-se-á que este assunto é especialmente grave, que é um enorme escândalo, pelo que tudo o que possa fazer-se para o reparar e punir os culpados é bem-vindo.
Concordo que o assunto é muito grave.
Os abusos sexuais na Igreja são duplamente criminosos, pois, além de serem crimes à luz da lei geral, violam as normas morais que a própria Igreja prega – o que é porventura o mais importante.
Como é que um padre pode pregar moral num púlpito e depois, ao descer de lá, ir fazer exatamente o que condenou?
Como pode aproveitar a situação de superioridade que lhe dá o facto de ser padre para violentar seres indefesos que devia guiar?
Como é possível esconder-se atrás das vestes sacerdotais para abusar de inocentes?
Noutro plano, é como o juiz que, depois de despir a toga, vai cometer os crimes que acabou de julgar e punir.
Mas isto não justifica tudo. Os fins não justificam os meios.
Também na Justiça se verificam constantemente situações escandalosas, que põem em causa o funcionamento das instituições – veja-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a lei dos metadados, que pode abrir as portas das prisões a dezenas de criminosos, que pode levar a reabrir processos e a repetir dezenas ou centenas de julgamentos –, sobre as quais Marcelo recusa pronunciar-se.
Quantas vezes já não o ouvimos dizer: «Como calculam, no respeito pela separação de poderes, eu não vou pronunciar-me sobre essa matéria»?
Nesta questão dos abusos sexuais na Igreja Católica, Marcelo Rebelo de Sousa andou às apalpadelas.
Começou por desvalorizar o assunto, dizendo que os casos não eram tão numerosos como se temia e que era necessário analisar o assunto com ponderação.
E aí toda a gente lhe caiu em cima, chegando a acusá-lo de ser conivente com os padres pedófilos.
Perante isso, Marcelo começou a recuar.
Deu uma volta de 180 graus, pediu desculpa, depois endureceu a posição e acabou a dizer o que a Igreja obrigatoriamente tem de fazer.
É claro que, agora, Marcelo Rebelo de Sousa foi elogiado e até os bispos lhe vieram dar razão.
Mas é muito complicado um Presidente da República atuar ao sabor das circunstâncias e daquilo que é ‘popular’.
É muito problemático um Presidente querer agradar à maioria.
Fazer aquilo que acha que a maioria quer que ele faça.
Já o mesmo se passou no caso do altar do Papa.
E, noutra área, em relação ao Governo.
Quando este estava forte e António Costa cantava de galo, Marcelo punha-lhe a mão por baixo; agora que as sondagens lhe dão uma quebra de popularidade e está desgastado por sucessivos casos, Marcelo vem dizer que a maioria já nasceu cansada.
E até recorda que tem o poder de dissolver o Parlamento, embora só numa situação excecional.
Marcelo Rebelo de Sousa tem imensas qualidades.
Mas tem um defeito perigoso num Presidente da República: tem um medo terrível de ser impopular.
Quando diz alguma coisa que suscita críticas severas, recua, pede desculpa, vira o bico ao prego e procura pôr-se de acordo com o lado donde sopra o vento.
O lado que lhe traz elogios e aplausos.