Román Viñoly Barreto tinha uma ideia fixa: fazer um filme cuja trama se desenrolasse no mundo do futebol. Como qualquer uruguaio autêntico, Román, que nasceu em Montevidéu no dia 8 de agosto de 1914, era fascinado pelo jogo dos ingleses. Nunca teve grande jeito para dar pontapés numa bola ainda por cima porque era míope como uma toupeira o que o obrigava a usar óculos de aros grossos e que lhe davam um ar estranho de tartaruga humana. Os pais eram pescadores remediados no rio da Prata mas Barreto dedicou-se aos estudos com o pouco dinheiro que estes lhe puderam dispensar. Tirou o curso de filosofia e ganhou especializações em teatro e ballet além de ter publicado muito precocemente um livro sobre a vida de São Francisco de Assis. Depois percebeu que Montevidéu era uma cidade demasiado pequena para as suas ambições e atravessou o rio para se instalar na sua irmã mais cosmopolita:Buenos Aires. Foi então que além do futebol se tornou um fanático pelo cinema começando por ser assistente do realizador Alberto de Zavalía para, em seguida, se estabelecer por conta própria.
Román Viñoly Barreto foi um realizador incansável. A sua obra é vasta. Entre 1947 e 1966 dirigiu 27 longas metragens e La Pérgola de las Flores ter-se-á perpetuado como a sua obra de maior qualidade. No dia 27 de outubro de 1950 estreou Fangio, el Demonio de las Pistas, um filme a branco e preto sobre a carreira do grande campeão argentino de Fórmula 1, JuanManuel Fangio, que participa no início e no final através de declarações recolhidas propositadamente para o efeito. Román também ganhou o gosto pelas competições automobilísticas mas a sua verdadeira e mais forte atração era o futebol e nada havia que pudesse contrariá-lo. A ideia fixa plantara-se-lhe no cérebro como um bolbo, ia sendo regada pela sua imaginação e não tardaria a florescer como uma tulipa. No dia 10 de outubro de 1957, as salas de cinema de Buenos Aires anunciavam o seu filme mais recente, em estreia. Chamava-se Fantoche. O título não é particularmente atrativo nem parece ter algo que ver com futebol. A sinopse rabisca-se já aqui ao lado: um suposto antigo grande jogador da seleção argentina revive um golo extraordinário marcado ao Uruguai para cair nas graças da mulher por quem está apaixonado, a milionária Beatriz Taibo.
O papel principal coube a um famoso ator e humorista Luis Santiago Sandrini que representa o craque sonhador, Jacinto Samponiaro. A história só em si não teria muito para atrair às salas de cinema os frequentadores habituais dos estádios de futebol, mas Ramón era um sujeito teimoso e pouco capaz de dar o braço a torcer pelo que se lembrou, para aumentar a excitação e a espetacularidade da sua fita, convidar o selecionador argentino da altura, Guillermo Stábile, para representar um papel menor. Que se lixasse! Importante era colocar o nome de Stábile nos placares e Guillermo Antonio Stábile não era apenas o selecionador argentino, fora um dos maiores jogadores de todos os tempos, marcador de oito golos em quatro jogos com a camisola albi-celeste na fase final do Mundial de 1930, no Uruguai, temível avançado do Huracán, tendo emigrado para Itália, primeiro para o Génova e depois para o Nápoles, e terminando a carreira de jogador no Red Star de Paris. Claro que Stábille fazia dele mesmo, algo a que já estava habituado depois de se ter interpretado num filme anterior, Pelota de Trapo, um dramalhão de faca e alguidar estreado a 10 de agosto de 1948. Mas Barreto ainda não estava absolutamente satisfeito embora não tivesse dúvidas de que a presença de Stábile ajudaria por certo a equilibrar as contas, não as dele, mas as de Eduardo Segundo Sandrini que investira umas notas valentes sobretudo para ajudar o irmão a fazer de Samponiaro. Foi então que resolveu encher o filme com jogadores de futebol como Antonio Angelillo, Rogelio Antonio Domínguez, Humberto Maschio, Pedro Dellacha, Juan Héctor Guidi Federico Pizarro, todos eles supinamente populares ou não tivessem acabado de conquistar o Campeonato Sul-Americano, pelo que ocupavam por inteiro o coração dos hinchas argentinos. Tratou, portanto, de realizar uma película sobre futebol na qual havia jogadores de futebol a passearem-se para trás e para a frente nos bastidores e no palco sem esquecer Osvaldo Caffarelli e a sua voz inconfundível, relatador daRadio Rivadavia que se iniciara em combates de boxe mas que passara em seguida a descrever jogos de futebol através do microfone. Fantoche foi um desastre e não houve Stábile que o salvasse. O mais simpático que se pôde ler na imprensa foi: «El director permite al actor que se explaye en diálogos copiosos y extensos, mientras el argumento se desdibuja hasta ser poco coherente». A ideia fixa de Ramón passou à história sem que ninguém quisesse lembrá-la. Mas já era altura…
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