Lares de Idosos

Desafio o Governo a realizar um estudo sério de qual o custo de cada equipamento social, de educação e de saúde e que depois das conclusões pague o valor justo. Mas tem de ser um valor que pague funcionamento digno e salários dignos, não a miséria actual. E não vale a pena o discurso “não…

por José Bourdain
Presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados

Nas últimas semanas têm vindo a público diversas notícias sobre maus tratos a idosos em lares. Tenho tentado resistido a escrever algo sobre o assunto, pois vejo que se fala e escreve muito disparate sobre esta matéria mas, a propósito de uma entrevista da Embaixadora Ana Gomes a Rodrigo Pratas na SICNOTICIAS no dia do Pai, resolvi fazê-lo.

Não me vou debruçar sobre esta questão dos maus tratos pois não tenho muito para dizer, tão somente que se deve punir fortemente tais práticas e que deve existir mais fiscalização e concordo com Ana Gomes quando diz que “é uma desumanidade e crueldade e que envergonha qualquer sociedade”. Mais uma vez estas notícias são sempre sensacionalistas mas a comunicação social não promove o debate público a sério para que se perceba quais as causas destes problemas, os quais resultam grandemente da falta de vontade do Governo para os resolver.

Entre vários assuntos, nesta entrevista falou-se nos “miseráveis” lares que proliferam pelo País fora, os legais e ilegais. Diz Ana Gomes: “A média dos lares legais subiram 17%, o que explica isto? Quando a inflação subiu oito e tal por cento?”

Permita-me que responda senhora embaixadora Ana Gomes que a Inflação subiu 7,8% em 2022 e em Fevereiro de 2023 foi de 8,2%. Mas, não sei se sabe, o salário mínimo (que tem um grande impacto nos lares de idosos legais) subiu 42% desde que António Costa é Primeiro-Ministro e subiu 7,6% em 2023. Acresce que os custos com gás subiram 500%, e com luz 300%, com alimentação mais de 20% mas também outros produtos, nomeadamente as fraldas que subiram 30%. Tem aqui a explicação, o Governo não pode simplesmente achar que pode impor subidas elevadas do salário mínimo e que todos os preços se mantenham iguais. E quando fala em subidas de 17% nos lares está a referir-se aos privados pois aqueles (os das IPSS) em que é o Governo que decide os preços (os que o Estado paga e o que as famílias pagam às IPSS) apenas subiram 5% em 2023. E saiba também que em 2015, sob a liderança de António Costa, chegou ao sector social a Austeridade e a Troika (Geringonça) pois aumentou e muito os custos das IPSS sem a respectiva componente de receita para equilibrar esse aumento de custos brutal. E aqui está a principal causa da qualidade dos lares em Portugal ser tão baixa. É que sem dinheiro não há boa qualidade no serviço, como sejam bons profissionais para trabalhar.

Hoje em dia, um dos mais graves problemas com que se debatem as IPSS em Portugal, nomeadamente dos lares de idosos, é não haver mão-de-obra disponível para trabalhar nestas instituições, prejudicando em muito o seu funcionamento pois muitas vezes recruta-se “o que há” por simplesmente “não haver escolha possível” (e muitas vezes não há de todo). Há que dizer frontalmente que temos centenas de milhares de pessoas a receber subsídio de desemprego, inscritas nos centros de emprego e a receber formações profissionais que como se diz na gíria “para encher chouriços” ao que acresce pessoas que recebem rendimento mínimo. Certamente a muitas destas pessoas se justifica o subsídio, a formação, o rendimento mínimo. Mas muitas outras não, simplesmente não querem trabalhar (como frequentemente acontece nas entrevistas de recrutamento) e vivem do” sistema”. E para tentar colmatar esta falta de mão-de-obra tenta-se recorrer a pessoas dos PALOP através desta nova legislação. Mas mesmo aqui esbarramos com a corrupção, como por exemplo no consulado de Cabo Verde, em que apenas se passam vistos a troco de muito dinheiro. Há empresas em Portugal, incluindo IPSS, a aguardar há meses que as pessoas já recrutadas possam ter um visto para poder vir trabalhar para Portugal mas não conseguem. Esta situação já foi denunciada ao Governo, no Parlamento e na Procuradoria da República. Infelizmente tudo se mantém e nada foi feito. Acresce que os salários são miseráveis neste sector e não são atractivos. Por que motivo são os salários miseráveis e o dinheiro que estas IPSS recebem não chega para cobrir os custos? Porque resulta de uma política de subfinanciamento por parte do Governo. O Governo paga 493,67€ por mês por utente em lar de Idosos. Nestes lares o rácio de pessoal/utentes é praticamente de 1 para 1. A este valor soma-se o máximo que as famílias/pensão do idoso podem pagar que também está tabelado pelo Governo e não vai além de pouco mais de 1.100€. Como é que com tão pouco dinheiro se mantém a funcionar uma estrutura para idosos com todos os custos que isso implica? É esta a pergunta que todos deveriam fazer.

Há quem neste sector não desista e continue a lutar mesmo baixando a qualidade, quando se calhar devia simplesmente dizer “eu fecho a porta pois o dinheiro que o Estado paga não chega para manter a funcionar um equipamento social com dignidade para utentes e também para trabalhadores”.

Na entrevista a Drª. Ana Gomes fala também em idosos a ocupar camas de hospitais e que esperava medidas para resolver os problemas. Mais uma vez, não há lares de idosos suficientes, nem apoio domiciliário, nem centros de dia, nem cuidados continuados para que estes idosos possam desocupar camas de hospital. E mais uma vez porque o Estado não tem investido neste sector nem paga o suficiente para que seja atractivo a quem investe.

No caso dos cuidados continuados, tal como nas PPP rodoviárias, a base de partida foi aumentar anualmente os preços, para quem investiu, com base na inflação do ano anterior. Com as PPP cumpre-se religiosamente, tal como aconteceu este ano – 7,8% de aumento. Nos cuidados continuados ZERO%. Para os funcionários públicos aumentos mínimos de 104€ (para um técnico superior). Para aqueles que trabalham nas IPSS foi zero ou pouco mais que isso. Quem quer trabalhar em Lares de Idosos ou IPSS quando o salário de entrada de um técnico superior oscila entre os 800€ e os 900€?

Desafio o Governo a realizar um estudo sério de qual o custo de cada equipamento social, de educação e de saúde e que depois das conclusões pague o valor justo. Mas tem de ser um valor que pague funcionamento digno e salários dignos, não a miséria actual. E não vale a pena o discurso “não há dinheiro” pois para empresas falidas que funcionam mal continua todos os anos a haver milhares de milhões de euros dos nossos impostos.

Neste sector só queremos que a Troika se vá embora e que termine a austeridade para que possamos fazer melhor o nosso trabalho.