Há três semanas, com voz grossa, António Costa tonitruava no Parlamento contra a privatização da TAP feita por Pedro Passos Coelho, dizendo que fora «o maior crime» cometido por um Governo desde o 25 de Abril. E baseava esta afirmação no facto de o Governo estar de saída e, segundo ele, não ter legitimidade para fazer o negócio.
Com esta tirada bombástica, António Costa queria, na verdade, esconder um facto gravíssimo: a reversão da privatização da companhia e sua posterior nacionalização.
Foi este o verdadeiro ‘crime’ relacionado com a TAP, só comparável ao negócio da PT conduzido por José Sócrates.
Ao reverter a privatização da companhia aérea, o Governo de António Costa assumira naturalmente a obrigação de a gerir exemplarmente.
Ora, o que se passou desde aí?
A comissão parlamentar de inquérito trouxe agora a público os pormenores de uma novela sórdida.
A guerra entre a presidente do Conselho de Administração, Christine Ourmières-Widener, e a administradora Alexandra Reis, que conduziu à demissão desta com uma indemnização milionária.
As mentiras do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que faltou à verdade duas vezes: ao dizer que não sabia da indemnização e ao reconhecer, depois, que sabia mas não interviera no processo, quando foi ele a decidir tudo.
As manobras do mesmo ministro para esconder do ministro das Finanças, Fernando Medina, o que se passava na companhia.
A mentira do responsável financeiro da TAP ao dizer que desconhecia o processo de Alexandra Reis, quando participou nas reuniões em que o caso foi tratado.
A incrível reunião promovida pelo atual ministro das Infraestruturas, João Galamba, e pela ministra Adjunta, Ana Catarina Mendes, entre a presidente da TAP e responsáveis do PS, para a industriarem sobre o modo como ela deveria responder ‘convenientemente’ aos deputados numa diligência parlamentar.
Um pedido de esclarecimento do Governo à administração da TAP cuja resposta foi redigida… pelo próprio Governo.
Um pedido do secretário de Estado Hugo Mendes para retardar a partida de um voo em que devia seguir Marcelo Rebelo de Sousa, com o objetivo expresso de ganhar a simpatia do Presidente da República na luta política que se travava na empresa.
As pressões políticas permanentes sobre o Conselho de Administração e sobre a sua presidente.
E nem esta se safou, ao saber-se que o seu marido planeava ter negócios com a TAP. Alguma vez se viu numa grande empresa a mulher e o marido projetarem negócios, uma como presidente e o outro como fornecedor?
Enfim, episódios lamentáveis que cobrem de vergonha os seus protagonistas.
O que dirá de tudo isto António-Pedro Vasconcelos, o grande arauto do regresso da TAP à esfera do Estado?
Tudo foi mal feito, desde a renacionalização ao despedimento de Fernando Pinto – um ex-presidente do Conselho de Administração, que pusera a empresa a dar lucro.
A propósito, recordo um episódio ocorrido em 2002, pouco depois de Durão Barroso ter tomado posse como primeiro-ministro.
Em conversa telefónica, este disse-me:
– Vou agora ter uma reunião muito chata…
– Sobre quê? – perguntei-lhe.
– Vou demitir o Fernando Pinto.
– Demitir o Fernando Pinto? Mas foi ele que pôs a TAP a ganhar dinheiro…
– Pois é. Mas nós temos de fazer austeridade e ele tem um ordenado altíssimo… Não podemos pagar ordenados destes.
– Eu não o faria – disse-lhe. – Lembre-se de que, se a TAP voltar a dar prejuízo, não vão pedir responsabilidades ao novo administrador, vão pedir-lhas a si. Se demitir Fernando Pinto, você assume-se como responsável pelos futuros resultados da companhia…
Duas horas depois, as notícias davam conta de que a reunião entre o primeiro-ministro e o presidente da TAP tinha corrido bem e que este permanecia no cargo.
É a primeira vez que conto esta história, porque (como aconteceu, de resto, com outras incluídas no livro Eu e os Políticos) passaram-se mais de 20 anos sobre os acontecimentos e os protagonistas já estão noutros lugares.
Fernando Pinto acabaria por ser demitido em 2018 por Pedro Nuno Santos, que para ele sair teve de lhe pagar uma brutal indemnização (mais uma…).
Sabendo hoje o que sabemos sobre a TAP, julgo que se justificava plenamente a demissão do Governo.
Um Governo que já estava muito enfraquecido pelos sucessivos ‘casos e casinhos’, sai deste escândalo fragilizadíssimo.
Note-se que António Costa não herdou uma empresa em dificuldades, que tivesse de salvar: pelo contrário, foi buscar a empresa às mãos de um empresário privado, pagando-lhe milhões, supostamente para a desenvolver.
Viu-se o resultado.
E não adianta nada Costa dizer agora que está furioso com Pedro Nuno Santos: o facto é que foi ele quem o escolheu e deu cobertura a toda esta lamentável situação.
Mas a demissão do Governo, embora se justificasse, não adiantaria nada.
O que o episódio da TAP revela, mais do que tudo, é o absoluto fracasso da gestão pública.
O Estado não pode ser o proprietário de grandes empresas.
O cruzamento do poder político com o poder económico conduz a situações de enorme promiscuidade – com pressões políticas de toda a ordem, nomeações por razões partidárias, decisões de gestão desastrosas, pois o dinheiro é dos contribuintes e não dos acionistas, podendo ser gasto à tripa-forra.
Numa empresa sua, Pedro Nuno Santos não tinha certamente cometido todas estas tropelias.
Afaste-se o Estado dos negócios! – é a conclusão a tirar desta triste história, que já custou muitos milhões ao país e nos envergonha perante o mundo.