PPE aprova muros

Votação no Parlamento Europeu confirma mudança de paradigma das políticas europeias em relação aos movimentos migratórios.

por Teresa Nogueira Pinto

O Parlamento Europeu aprovou uma emenda às orientações para a preparação do orçamento para 2024 incidindo sobre a proteção das fronteiras, cuja alteração confirma a mudança nas políticas e na retórica da UE em relação ao tema da imigração, acompanhando uma tendência observada em vários Estados-membros.

Na versão inicial do projeto posto a votação constava a oposição à «utilização de fundos europeus para construir cercas ou muros nas fronteiras externas da União». Mas, por iniciativa do Partido Popular Europeu (PPE), foi introduzida, e aprovada com 322 votos a favor, 290 contra e 20 abstenções, uma alteração referindo a necessidade de «mobilizar imediatamente fundos e meios para apoiar os Estados-membros no reforço das capacidades e infraestruturas de proteção das fronteiras, meios de vigilância, incluindo vigilância aérea, e equipamento». A proposta foi precedida por outra do grupo dos Conservadores e Reformistas (ECR), que defendia explicitamente a utilização de fundos europeus para construção de cercas, e foi reprovada com 328 votos contra e 279 a favor (incluindo a maioria dos deputados do PPE).

 

Mudança de paradigma

A alteração, que contou com o apoio de alguns deputados do Renew Europe e dos Socialistas e Democratas, vai ao encontro da posição adotada pelos líderes europeus em fevereiro sobre a necessidade de maior controlo da imigração.

Depois da votação, Jeroen Lenaers, porta-voz do PPE para a justiça e assuntos internos, afirmou: «Se queremos demonstrar solidariedade, então devemos restaurar a ordem nas nossas fronteiras, construindo, se necessário, cercas onde elas sejam precisas». Numa entrevista ao Corriere della Sera, o presidente do PPE, Manfred Weber, disse que «os muros devem ser uma exceção, último recurso, mas se a imigração ilegal não pode ser parada de outo modo, então devemos estar preparados para construir cercas». Afirmação que lhe valeu críticas dos liberais-centristas. A eurodeputada Valérie Hayer Weber acusou Weber de «sonhar ser o Donald Trump da Baviera».

A divergência entre a proposta aprovada e a Comissão radica numa questão de interpretação. Segundo o Regulamento (EU) 2021/1148 do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão de Fronteiras e Política de Vistos, podem ser utilizados fundos europeus para apoiar a construção das «infraestruturas, edifícios, sistemas e serviços» necessários à implementação do controlo e vigilância de fronteiras. A Comissão tem evitado, a partir do Regulamento, o financiamento direto para construção ou manutenção de muros.

 

Símbolos e políticas

Os muros entraram no debate político europeu em 2015, num contexto marcado pelo sentido de urgência que a crise migratória provocou. Mas os termos do debate, polarizado, não refletem a realidade das políticas implementadas por vários Estados-membros em resposta à pressão migratória.

Segundo o Parlamento Europeu, a extensão de cercas nas fronteiras externas e dentro do espaço europeu aumentou de 315 para 2048 km entre 2014 e 2022, e 12 países europeus têm barreiras físicas nas suas fronteiras, incluindo a Espanha, a França, a Noruega ou a Finlândia. O aumento da extensão dos muros acompanha números que apontam para uma crescente pressão migratória. A Europa é, segundo a OIM, a região do mundo com maior número de imigrantes, estimado em 86.7 milhões. A população imigrante, de acordo com a OIM, representa 18.8 por cento da população total na Alemanha, 14.6 por cento em Espanha, 10.6 em Itália e 9.8 por cento em Portugal. Segundo dados da FRONTEX, registaram-se 330.000 entradas ilegais no espaço europeu em 2022, o número mais alto desde 2016, representando um aumento de 64 por cento face a 2021. Os pedidos de asilo no espaço UE + também aumentaram mais de 50 por cento em 2022 face ao ano anterior, num total de cerca de 966.000, segundo a Agência da União Europeia para o Asilo.

 

Causas e consequências

As divergências sobre o controle de fronteiras levaram ao chumbo da proposta geral, uma vez que os Socialistas e Democratas votaram contra e o ECR, que defende o financiamento direto de cercas, absteve-se. Mas isso não terá impacto no processo de preparação do orçamento, cuja proposta deverá ser apresentada ao Parlamento em junho.

Mais do que pelas consequências, este episódio importa pelas causas. A crescente convergência e realinhamento de posições no espaço do centro-direita tornam evidente, a um ano das eleições europeias, a relevância do tema da imigração, as clivagens que veio criar e o seu potencial para influenciar, e em alguns casos decidir, resultados eleitorais.

*Texto editado por Sónia Peres Pinto