Em recente entrevista à CNN, conduzida por Maria João Avillez, Luís Montenegro afirmou que nunca fará alianças nem aceitará o apoio de partidos ou políticos «racistas, xenófobos, oportunistas ou populistas».
Foi uma afirmação arriscada.
Tendo em conta que o segundo maior partido da direita é, neste momento, o Chega, negar taxativamente um acordo com André Ventura pode significar a impossibilidade de o PSD chegar ao poder – e a consequente eternização do PS no Governo.
Mas eu compreendo a ideia de Montenegro nesta altura.
É uma aposta no tudo ou nada.
Ou ganha tudo ou perde tudo.
Ele quer colocar os eleitores antissocialistas perante o seguinte dilema: ou concentram os seus votos no PSD ou, votando no Chega, estão a dispersar forças e a facilitar a vida aos socialistas.
«Se querem afastar o PS do Governo têm de votar em mim» – é a mensagem que Luís Montenegro quer passar.
Há dois meses, dizer isto era um suicídio. Afirmar que em caso algum faria um acordo com o Chega era o mesmo que dizer que nunca chegaria a primeiro-ministro.
O PSD patinava nas sondagens e António Costa parecia protegido por um escudo invisível: nenhum escândalo o afetava, nenhuma crise lhe beliscava a popularidade.
Só que, de repente, tudo mudou.
A questão da TAP foi o KO na credibilidade dos socialistas e na do próprio primeiro-ministro, mas o problema já vinha de trás: do compadrio, das negociatas, das demissões de ministros e secretários de Estado, dos conflitos de António Costa com Pedro Nuno Santos, que ultrapassaram todos os limites do razoável.
Na sociedade portuguesa produziu-se um clic.
E aquilo que antes era verdade passou a ser mentira.
O Presidente da República percebeu-o (e mudou de atitude), Montenegro também e António Costa idem aspas.
E vai daí, Costa começou a dar benesses, a oferecer dinheiro vivo, a baixar o IVA disto e daquilo, a prometer aumentos de pensões que antes tinha negado.
É um novo bodo aos pobres.
Parece Valentim Loureiro, que angariava votos com a promessa de frigoríficos.
Mas o que Costa diz ou faz já não produz o mesmo efeito.
As pessoas ou não acreditam ou não ligam.
Agora, o poder está à mercê da oposição.
Sentindo isso, Montenegro sobe a parada e nega acordos com o Chega.
Acha que poderá chegar ao poder sozinho – ou com a ajuda dos ‘pequenos’: IL e CDS.
Independentemente de questões táticas ou de pruridos ideológicos, julgo que um Governo PSD/Chega não teria coerência interna nem condições de estabilidade.
Implodiria ao fim de poucos meses.
Não só pela personalidade de André Ventura, que é muito individualista, mas também porque não interessará ao Chega ser muleta de um Governo liderado por um social-democrata.
Se o fizesse, acontecer-lhe-ia o mesmo que aconteceu ao BE e ao PCP depois da ‘geringonça’: praticamente desapareceria.
O Chega é um partido de protesto, é essa a sua natureza, não é um partido de poder.
O que o faz atraente para muitos eleitores é o radicalismo, é o dizer tudo sem autocensura, é o não ter receio de provocar escândalo; mas essa liberdade é incompatível com o poder.
O poder tornaria Ventura mais brando, mais dócil, mais politicamente correto – e nessa altura perderia todo o carisma.
Deixaria de agradar aos desiludidos do sistema que gostam que haja alguém sem papas na língua num mundo político que vive de aparências.
Assim, se Montenegro não quer aliar-se ao Chega, a este também não interessará nada juntar-se ao PSD.
Tenho muita curiosidade em perceber como esta relação vai evoluir.
Vamos ver se Montenegro, com a sua teimosia, conseguirá atrair muitos simpatizantes de Ventura e aproximar-se da maioria absoluta – ou se, pelo contrário, Ventura terá capacidade para segurar o seu eleitorado e o PSD não conseguirá formar Governo mesmo ganhando as próximas eleições.
Até porque não está posta de parte a formação de uma nova ‘geringonça’.
António Costa já mostrou que fará tudo o que for preciso para se manter no Governo.
E não dirá uma única palavra sobre o que irá fazer.
Ao contrário de Montenegro, que pôs todas as cartas na mesa, Costa não abrirá o jogo.
Essa dúvida vai permanecer até ao fim.