João Soares, quando era presidente da Câmara de Lisboa, fez-me uma curiosa confidência.
Disse-me que o seu antecessor à frente da Câmara, Jorge Sampaio, tinha uma máxima que repetia com frequência aos seus colaboradores: «O que é preciso é manter a bola a bater».
Ou seja: para ele, o importante não era fazer obra, andar para a frente, deixar o seu traço na cidade – era, pelo contrário, empatar jogo, fingir que avançava sem sair do mesmo sítio.
Manter a bola a bater.
Julgo, aliás, que esta máxima caracterizava o grupo que Sampaio liderava, e que incluía o atual primeiro-ministro, António Costa.
A ideia foi amplamente confirmada na entrevista que Costa deu há dias à RTP.
O primeiro-ministro falou da inflação, falou do IVA zero, falou do aumento das pensões, falou da dissolução do Parlamento, falou da oposição, em particular do PSD e do Chega – mas não se lhe ouviu uma ideia, um projeto, uma ambição.
Todos os estadistas gostam de deixar fisicamente a marca da sua passagem pelo poder.
Uma grande obra pública, um monumento emblemático, algo que as pessoas vejam e digam: «Isto foi feito por fulano de tal».
Castelos, catedrais, igrejas, palácios, teatros, pontes, aquedutos, jardins, grandes vias de comunicação, portos, aeroportos são obras que ficam como marcos de governantes e até como símbolos de gerações.
Salazar, com a colaboração decisiva de Duarte Pacheco, deixou grandes obras por todo o país, e, no fim do consulado, mandou construir a Ponte hoje chamada 25 de Abril (sendo estranho que os capitães tenham querido dar este nome a uma obra executada pelo Estado Novo…).
Cavaco Silva, com a colaboração preciosa de Ferreira do Amaral, também deixou uma extensa obra edificada, de que são emblemas a Ponte Vasco da Gama e o CCB.
Mas António Costa vai estar no poder mais tempo do que Cavaco e dele ficará o quê?
Tudo no seu Governo se resume à gestão do dia-a-dia, como numa mercearia.
Hoje oferece uns vales, amanhã reduz o IVA nalguns produtos, depois aumenta as pensões, e assim se vai esgotando a governação.
Uns anos depois de Costa sair, nada restará do seu tempo à frente do Governo.
Mas esta entrevista de António Costa impressionou-me também pelo cinismo demasiado óbvio e por insólitos paralelismos que o jornalista-entrevistador (que é da área do desporto e não da política) não foi capaz de explorar.
Referindo-se às afirmações feitas dias antes por Montenegro de que não fará acordos com partidos e políticos «racistas, xenófobos e populistas», Costa disse que o líder do PSD não pronunciou a palavra ‘Chega’, pelo que a afirmação foi ambígua.
Ora, dizer isto é brincar com as palavras.
A quem – a que força política e a que político – se poderiam referir os termos racismo, xenofobia, populismo, etc., senão ao Chega e a André Ventura?
Haverá outra força ou outro político a quem eles pudessem destinar-se?
Depois, António Costa disse que o PSD está a ser ‘contaminado’ pelo Chega.
E adiantou que o «grande perigo dos partidos populistas não é a sua força eleitoral mas sim a capacidade para contaminarem os partidos moderados».
Para ilustrar esta afirmação, Costa notou que Montenegro sentiu necessidade de dizer que não fará acordos com partidos xenófobas ou racistas – mas a ele, António Costa, ninguém faz essa pergunta.
Aqui, o primeiro-ministro só podia estar a mangar com o jornalista.
Então alguém põe a hipótese de o PS fazer acordos com o Chega?
Mas – e aqui é que o entrevistador falhou – pode colocar-se a possibilidade de voltar a fazer acordos com o BE e o PCP.
Isto é que lhe devia ter sido perguntado.
Pode António Costa garantir que em nenhum caso os fará?
E mais.
Ao dizer que o PSD está a ser contaminado pelo populismo de direita do Chega, não estará a admitir que o PS pode ter sido contaminado pelo radicalismo esquerdista do BE e do PCP?
Ou a ‘contaminação’ só funciona à direita e não à esquerda?
Enfim, a poucos dias do 25 de Abril, assistimos a uma entrevista desinspirada do primeiro-ministro, que me leva a perguntar: por que razão António Costa quis ser entrevistado nesta altura?
A única coisa que podia justificar a entrevista era tentar controlar os danos da trapalhada da TAP; mas sobre isto recusou-se a falar, refugiando-se em argumentos formais.
Para que serviu, então, ter falado?
Para pôr ainda mais à vista o deserto de ideias com que este Governo se debate e a sua absoluta incapacidade para concretizar o que quer que seja?
Note-se que nem sequer foi capaz de avançar com o novo aeroporto de Lisboa, sobre o qual o Executivo anterior já tinha tomado uma decisão.
Mantendo a ‘bola a bater’, enrolou o processo numa enorme trapalhada – fazendo-o voltar à estaca zero!
Comentando a inépcia governativa, o PSD pôs na rua um dos seus melhores cartazes dos últimos anos, onde só consta uma frase: «Nem com maioria absoluta».
Não era preciso dizer mais nada.