Também tu, Roménia?

Na Península Ibérica vivia-se muito melhor e ninguém na altura ousaria conceber que, trinta anos mais tarde, a Roménia estaria, como está, às portas de nos ultrapassar no rendimento por habitante

Por Manuel Pereira Ramos, jornalista

No inicio da década dos 90 do século passado surgiu na Europa uma iniciativa destinada a impulsionar a simplificação dos procedimentos administrativos tanto no setor público como no privado, tratava-se de procurar eliminar a burocracia dispensável e substituir o papel pela transmissão eletrónica de dados, o chamado EDI (Electronic Data Interchange) cujos impulsores adotaram como lema ‘EDI or DIE’, ou seja que as empresas que não dessem o passo do utilizar, corriam o risco de perder a batalha da modernização e ficarem pelo caminho, de alguma forma era o prelúdio da transformação digital que agora estamos a viver. 

No grupo de trabalho que se reunia em Bruxelas havia pessoas de várias nacionalidades entre elas o Henrique Saraiva Lima que teve a feliz ideia de organizar, no Funchal, um seminário europeu sobre o tema, ele próprio se encarregou de conseguir o apoio do governo regional que deu todas as facilidades e fomos recebidos pelo seu presidente na Quinta Vigia. Alberto João Jardim entendeu bem o fundo da questão que na sua terra se ia tratar e isso manifestou-o bem no seu discurso de apresentação com uma frase verdadeiramente lapidária: a burocracia é o orgasmo dos mangas de alpaca! Sinceramente, não sei como os tradutores simultâneos conseguiram passar, para o francês e o inglês, semelhante mensagem sem perder o seu sentido, os portugueses sim, compreendemos onde ele queria chegar e não pudemos deixar de sorrir e dar-lhe razão pelo que acabávamos de ouvir.

Mais ou menos por essa altura também teve lugar em Madrid um encontro empresarial dedicado ao mesmo tema, mas a cerimónia de inauguração já não teve a mesma graça que a dada por Alberto João e tudo por culpa de um incidente totalmente imprevisto. A mesa da presidência era bastante comprida e numa das pontas sentou-se, com o seu computador, um homem ainda jovem a quem ninguém da organização se atreveu a perguntar quem era e que fazia ali.

O ministro convidado estava a iniciar o seu discurso quando, repentinamente, o tal desconhecido, se levantou e, com voz forte e num português vernáculo, começou a reivindicar a sua condição de homossexual, os espanhóis, que nem sempre percebem o que nós dizemos, estavam totalmente confusos, toda a gente que ficou paralisada sem saber o que fazer e a embaraçosa situação só se solucionou com a intervenção dos seguranças e dos médicos que, a muito custo, lograram estabilizar uma pessoa universitária que teve a má sorte de, naquele momento, ter sido atraiçoada por alguma falha momentânea no complicado mecanismo cerebral.

Uma revolta popular pôs fim ao poder absoluto que Nicolae Ceauscescu exerceu na Roménia, foi preso quando pretendia fugir e depois julgado de forma sumária sendo condenado á execução que, junto á da sua mulher Helena, teve lugar no dia de Natal de 1989. O novo governo marcou como objetivos modernizar o país e aproximá-lo o da Europa e, nesse sentido, organizou um encontro com empresários aos que, eu e os meus colegas europeus, deveríamos explicar as bondades da tecnologia que andávamos apregoando. Juntámo-nos em Bucareste e, desde aí, um avião militar levou-nos até Suceava, uma cidade industrial do Nordeste onde teve lugar o evento que correu fracamente bem. Ceascescu tinha várias vivendas espalhadas pelo país e foi numa delas, rodeados de magníficos mosteiros, que fomos alojados, tinha vários quartos e, por sorteio, calhou-me a cama que tinha sido a do falecido presidente. Curiosos e sem nada que fazer á noite, quisemos saber o que mais havia naquela casa e, guiados pela pessoa que dela tomava conta, descobrimos um bowling e um jogo de xadrez em que o tabuleiro e as peças eram de ouro, o chefe gostava de viver bem. No regresso a Bucareste foi fácil constatar as enormes dificuldades que os romenos estavam a atravessar, os supermercados tinham as prateleiras vazias, não havia quase nada de nada, nas ruas viam-se muitas crianças a pedir esmola e ajoelhadas sem deixarem passar até que não recebessem uma moeda e os meus anfitriões ficaram muito contentes com o tabaco e as cassetes de música que lhe levei, coisas básicas, mas que no país quase não existiam. Como contraste lá estava o Palácio do Povo, o segundo maior edifício do mundo, obra faraónica mandada construir por Ceauscescu e que agora serve de sede do Parlamento ou a bonita sala onde me levaram para assistir a um magnifico concerto, problemas tremendos, mas muita dignidade. 

Comparado com essa mais que precária situação, na Península Ibérica vivia-se, de longe, muito melhor e ninguém na altura ousaria conceber que, trinta anos mais tarde, a Roménia estaria, como está, às portas de nos ultrapassar no rendimento por habitante. Alegra-me muito que os romenos, gente simpática que empreende e é trabalhadora, consigam ir ganhando desafios na luta pela melhoria do seu nível médio de vida, isso certamente não sucede por acaso, mas porque sabem fazer as coisas bem, nós, que não passamos dos empates, vamo-nos tristemente atrasando cada vez mais deixando que outras equipas que pareciam modestas, nos passem á frente na classificação geral da liga europeia do bem-estar e do progresso.